sábado, maio 19, 2007

Ser ou não ser

Noutros tempos era preciso ter coragem física para resistir em Portugal. Daí eu tanto admirar os resistentes antifascistas que durante tantas décadas resistiram à ditadura com risco da sua vida, da sua integridade e da sua subsistência.
Actualmente a situação é substancialmente diferente. Há que dizê-lo. Há muitos que correm riscos grandes: os trabalhadores que têm uma família a seu cargo, que trabalham no sector privado, por exemplo, ao fazerem greve geral, correm alguns riscos que, em alguns casos podem fazer perigar a sua subsistência e dos seus. Já no caso do sector público essa situação não se coloca. Por enquanto.
Portugal precisa como pão para a boca, mulheres e homens de carácter, que não se deixem vergar pela ignomínia de governos a reboque dos interesses pessoais dos seus membros e do grande capital. Digo eu, que não me acho particularmente corajoso por nunca ter sido devidamente posto à prova como foram tantos homens e mulheres antes de mim e à memória dos quais presto sentida homenagem.

Etiquetas:

sexta-feira, maio 04, 2007

classe média. elites.

Dado que sou daqueles que dispõe de recursos económicos e temporais que me permitem estar confortavelmente acima do limiar da mera sobrevivência considero que integro a dita classe média.
Considero mesmo que num mundo verdadeiramente humano como ainda tenho a esperança que algum dia venha a existir na nossa terra, todos os seres humanos disporão de recursos acima desse limiar, embora vivendo frugalmente como já hoje a nossa terra, ecologicamente, reclama. Um mundo onde o consumismo estará ultrapassado e as necessidades humanas, além daquelas que a biologia pede para se sustentar, serão de natureza essencialmente cultural e terão a solidariedade humana como princípio. Aí não haverá lugar, evidentemente, para a classe média, pois todos os seres humanos serão considerados de primeira categoria e a satisfação das necessidades humanas sustentáveis de todos eles será o critério supremo da economia.
Hoje, embora faça parte da dita classe média detesto os pensamentos mesquinhos e balofos e a inacção de grande parte dos que se situam na minha situação sócio-económica. É que esses pensamentos e essa inacção contribui, egoisticamente, para que o actual estado de coisas se mantenha: afinal, por enquanto a vidinha até nos é agradável e se só tivermos olhos para ela... Actualmente há, no entanto, sintomas de degradação a todos os níveis da situação de grandes franjas das tradicionais classes médias. Isso deveria levar muitas pessoas a pensar e a sair do seu egoísmo...
Por outro lado abomino as supostas elites e a submissão bovina de muitos dos medioclassistas para com essas supostas elites. Eu não sou dado a cultos de personalidade. Admiro só grandes pensadores, artistas, cientistas, intelectuais ou Homens de acção, alguns por vezes reunidos numa única personalidade. Felizmente há e houve, em Portugal alguns desses exemplos de vida: Bento de Jesús Caraça; Rui Luís Gomes; Maria Lamas. E no estrangeiro: Einstein; Chaplin; Langevin; Marie Curie. Só para citar alguns poucos nomes que muito admiro e já falecidos.
Entretanto, tantos e tantos nomes da pretensa elite, que apenas devotam desprezo ao povo a que não querem pertencer e que arrotam cultura postiça nas colunas dos jornais que lhes pagam principescamente para "deliciar" o pequeno-burguês e nada fazem na prática para melhorar a vida dos seus conterrâneos.
A essa classe média e a essa elite voto eu um profundo desprezo.

Etiquetas:

segunda-feira, abril 30, 2007

Pretextos

Aqui há uns anos alguém se lembrou que, para recuperar o degradado Parque Mayer em Lisboa, era necessário elaborar um projecto que incluiria um casino que tornasse rentável esse investimento. Que polémica que tal proposta, e com razão, gerou na altura.
Passados uns anos o Parque Mayer mantém-se na mesma, nada se recuperou, apenas existe, segundo sei, um projecto de um arquitecto famoso, projecto esse que custou imenso dinheiro.
Entretanto já existe em pleno funcionamento o Casino de Lisboa nas instalações da ex Expo.
Afinal não seria o objectivo formalmente e inicialmente apontado um mero pretexto?
Quem lucrou com estes negócios?

Etiquetas:

domingo, abril 01, 2007

A Sociedade do Desconhecimento

Uma certa propaganda oficial bem sucedida vem impingindo-nos que cada vez estamos avançando para uma sociedade do conhecimento, em que cada vez mais as profissões exigem maiores qualificações e maiores conhecimentos. Ora essa seria sem dúvida uma boa notícia e um bom rumo para uma sociedade: pessoas mais sabedoras, mais qualificadas, mais evoluídas ao nível do conhecimento. Só que essa retórica encobre uma realidade bem diferente do que existe nos nossos países capitalistas mais desenvolvidos: há uma grande polarização entre trabalhadores, entre os que requerem uma grande qualificação obtida em estudos especializados de longa duração e aqueles (os ditos Mcjobs) que requerem qualificações mínimas e que se aprendem na realização das próprias tarefas. Em outros posts tenho alertado para estas questões.
Um artigo de jornal do público de hoje referia que a McDonald's está contra a definição de "Mcjobs" que já entrou em vários dicionários como "um trabalho pouco estimulante, mal pago e com poucas perspectivas, especialmente criado pela expansão do sector dos serviços". E tem tentado, até agora em vão, que os responsáveis pelos dicionários mudem esse termo e essa definição, ameaçando até recorrer aos tribunais. Neste artigo encontram-se dados absolutamente reveladores da realidade económica e do actual "mercado de trabalho" dos Estados Unidos da América. Vejamos: "um em cada três empregos nos EUA pagam salários baixos e não oferecem perspectivas de progressão ou melhoramento profissional"; "há cerca de 44 milhões de trabalhadores nos EUA a receber salários inferiores à média nacional de 16 dólares por hora, e sem acesso a seguro de saúde e a um plano de pensões". "E com demasiada frequência verificamos que estes empregos mal remunerados estão a substituir aqueles que durante décadas sustiveram uma vasta classe média"... "o mercado de trabalho está cada vez mais polarizado entre empregos muito bem pagos e empregos muito mal pagos, à custa da classe média".
É "interessante" no artigo do público ver como os professores estão entre as dez profissões mais mal pagas da América, embora essa lista, como diz no artigo, tenha sido "elaborada tendo em conta não apenas a remuneração líquida (o montante efectivamente ganho por cada hora de trabalho) mas também as condições de trabalho, as exigências físicas e psíquicas e a compensação social do trabalhador." É interessante como um artigo refere verdades tão importantes, significativas e globais mas embutidas num texto cujo título parecia circunscrever precisamente. Este é um exemplo de como o jornalismo, mesmo dentro de padrões conformes com o politicamente correcto nos pode fornecer informações importantes, mesmo que não intencionalmente (ou talvez não, ou não fossem a maior parte dos jornalistas vítimas duma exploração desenfreada do seu trabalho).
Aos professores portugueses, digo eu, a continuar a aprofundar-se as políticas neoliberais têm ainda muito a perder e muito por onde perder. O horizonte aponta para países mais "evoluídos" como os States. Resistir a este rumo é preciso.

Etiquetas:

quinta-feira, março 22, 2007

Reflexões sobre a actual condição docente: quem não se sente...

Premissa 1: em primeiro lugar quero dizer que tenho bem presente que na actual correlação de forças - altamente desfavorável aos professores como em post anterior mencionei, - os professores por si só, mesmo que muito unidos e em torno de sindicatos também unidos, dificilmente conseguirão travar eficazmente no imediato a vaga de retrocesso dos seus direitos e de ataque à escola pública. É que tal vaga, ainda que tenha seleccionado um grupo profissional como o nosso por razões objectivas e subjectivas assinaláveis, pretende atingir muito para além dos professores e da Educação Pública. Pretende atingir todo o mundo do trabalho (no sector público como exemplo e no sector privado como seguidor do exemplo) e tudo aquilo que no actual Estado é direito dos trabalhadores e Serviço Público;
Premissa 2: pelo que disse atrás, penso ser necessário e imprescindível reunir/criar todas as plataformas de união em torno de questões concretas (e refiro-me às questões dos direitos dos trabalhadores e dos direitos à Educação e à Saúde), que podem e devem congregar muitos portugueses (tendo a consciência que as políticas de retrocesso social em curso são transnacionais: no nosso caso são políticas neoliberais promovidas pela União Europeia);
Premissa 3: perante este actual estado de coisas, que os professores e as escolas vivem: um novo estatuto que dizima direitos, que desfigura e desvaloriza a profissão; uma regulamentação que divide os professores em duas carreiras (menorizando o trabalho em sala de aula) e utiliza critérios absurdos e contra todas as regras de um estado de direito; medidas a nível dos concursos que os desregulamentam largamente e dão lugar à arbitrariedade; medidas previstas para a nova formação de formação que abastardarão o nível dessa mesma formação; um aumento da violência contra professores e um cavar da perda de autoridade que derivam claramente da forma como foram tratados pelo ministério da Educação nos dois últimos anos, etc;
Acção imediata: os professores não podem ficar calados neste momento mesmo que no imediato não possam travar eficazmente as medidas em curso. Os sindicatos, como imprescindíveis representantes dos professores, além de tomar medidas em várias frentes, das quais a frente legal em relação ao rol extenso de ilegalidades cometidas por este ministério é importantíssima, têm de promover uma batalha no imediato. Têm de convencer os professores a fazer algo que, apesar de tudo, há que afirmá-lo, ainda não fizeram frente a este ministério: dar-lhe luta verdadeira. Têm de dizer aos colegas que falam contra as medidas do ministério mas não fizeram as greves marcadas que se deixem de conversa. Têm de ser capazes de mobilização: de marcarem legalmente greves a doer; greves de muitos dias que paralisem as escolas; greves que mandem uma mensagem clara àqueles que ainda estão do outro lado da opinião, muitas vezes envenenados pela propaganda do governo e dos seus acólitos; greves dizia, em que os professores mostrem que não estão a brincar e que o que os move não são meros interesses corporativos ou laborais.
Quem não se sente não é filho de boa gente. Os professores hoje, mais do que sentirem têm de agir para demonstrar que não admitem estas políticas e que, contra elas, são capazes de lutarem aguerridamente, mesmo à custa de parte substancial do seu salário. Caso os professores e os seus sindicatos não consigam passar essa mensagem, outra, mesmo sem o quererem, estão a passar: o caminho continua aberto aos abutres!
Os professores mantêm as escolas. O trabalho que lá se faz é feito ou dirigido pelos professores. O que lá se faz de melhor a eles se deve em grande parte.
Há uma paz podre nas escolas. É tempo de partirmos para um novo patamar da luta.
Fazê-lo não assegura nenhuma vitória imediata. Não o fazer, significa desde já, uma triste capitulação.
P.S. Espero que a Fenprof e os seus sindicatos membros, saibam estar à altura neste momento tão crucial. Entretanto algo está a assentar praça no sistema educativo. A própria regulamentação dos titulares prejudica ignominiosamente os colegas dos sindicatos que estiveram a tempo inteiro nos últimos anos. É uma manobra inadmissível para quebrar a acção dos sindicatos.
Aos colegas que não estão muito virados para a figura da greve, eu direi: é simplesmente a medida legal que os trabalhadores dispõem com mais força para exprimirem as suas posições, desde que a façam maciçamente. Neste momento não vejo outra mais eficaz. Se souberem digam.

Etiquetas: , ,

sábado, março 10, 2007

Os "Independentes"

Há já algum tempo que anda na moda criticar os políticos e a política. E esta moda, que já vai longa, (já dura há muito mais do que os 6 meses da "moda" vulgar) colhe popularidade no "povo" sofrido pelas políticas e políticos de turno. Vai daí é a política e todos os políticos que apanham pela mesma medida, esquecendo o facto de que o espectro dos "decisores" abrange um leque restrito de políticos: no nosso caso português o denominado Bloco Central, a espaços cooptando o CDS/PP. Esquece-se a crítica, que a alternância democrática que vamos tendo nas últimas décadas é sempre a mesma.
Há muita gente que perante estes factos diz que já não vota ou que não vai votar. Não vê que dessa maneira em nada contribui para mudar a política ou as políticas que contesta.
Há ainda quem afirme um estatuto moral superior por ser independente, no sentido de não estar filiado em partidos. Isto francamente parece-me muito questionável. A superioridade moral ou outra verifica-se pela qualidade dos seus pensamentos, actos, sentimentos e valores e não pela simples pertença ou não pertença a associações partidárias. E até a capacidade crítica ou independência de pensamento não é apanágio dos formalmentes independentes.
Na comunicação social dita de referência tivemos há dias um caso paradigmatico. O jornal "O Público" a pretexto de uma reestruturação onde despediu imensos jornalistas (imagino os critérios de despedimento) mas manteve o director (para dar o exemplo, com certeza), rescindiu os "contratos" de colaboração com todos os opinadores filiados em partidos. Como a maioria dos opinadores que eles têm que não são filiados em partidos não são de facto independentes mas foram escolhidos mediante critérios próprios de quem manda lá no jornal, é de esperar um estreitamento do leque de opiniões políticas e outras do dito jornal. Algumas áreas do espectro político ficam assim, deste modo, ainda mais arredadas da parcela de opinião deste jornal. Nada que me surpreendesse.
Os critérios ditos meramente jornalísticos têm sido em muitos meios de comunicação social utilizados para censurar e limitar a expressão de certas ideias. É que quem gere os tais critérios são tudo menos independentes.

Etiquetas: ,

terça-feira, março 06, 2007

"PORTUGAL E ESPANHA: OS BONS ALUNOS" e outros assuntos

Vejam só estas tácticas da OCDE:
(A propósito não sei se sabem que a nossa Maria de Lurdes esteve uns tempos a trabalhar em tão benemérita instituição.)
"PORTUGAL E ESPANHA: OS BONS ALUNOS

Pergunta-se então a organização: como fazer aceitar reformas do mercado de trabalho que corresponderiam aos interesses dos assalariados e dos desempregados mas que eles não querem? As recomendações feitas aos governos dos povos tumultuosos são sublinhadas a negro e a itálico no relatório: é preciso proceder a «reformas parciais: reformar marginalmente para pôr em aplicação ulteriores e mais profundas mudanças de política». A ofensiva tem pois de passar pelos flancos e minar os contrafortes mais frágeis do sistema salarial, reservando para um segundo assalto o “núcleo duro”: «Para se evitarem conflitos com os principais grupos de interesses, os governos, num primeiro tempo, podem introduzir reformas à margem do “núcleo duro” do mercado de trabalho, sem verdadeiramente tocarem nas estruturas institucionais de que beneficiam os trabalhadores. Isso tende a reforçar a dualidade do mercado de trabalho, permitindo depois obter progressivamente o apoio da opinião publica a reformas mais fundamentais das instituições e políticas do mercado de trabalho».
A organização dá o exemplo da Espanha e de Portugal, onde esta estratégia foi posta em prática com êxito. Em Portugal, em particular, foram liberalizados o trabalho temporário e os contratos de duração determinada, antes de serem alargados aos contratos de duração indeterminada os motivos válidos de despedimento e de ser abolida a autorização prévia dos despedimentos colectivos.
Essa batalha bem organizada, conclui a OCDE, «colocou provavelmente os trabalhadores titulares de um contrato permanente em posição de fraqueza para se oporem às reformas, na medida em que os trabalhadores temporários e desempregados eram relativamente numerosos». Nesta estratégia duma abordagem pelos flancos, visando romper a frente de combate através das linhas de menor resistência, é fácil perceber que o mais eficaz consiste em atacar primeiro os próprios desempregados."
Outros assuntos
"Tal como não é pelo facto de alguém estudar que se cria empregos qualificados, nem é por alguém se pôr à cata de cogumelos que eles vão crescer, nem é por alguém querer ficar apaixonado que surgem lindas raparigas ou belos mocetões (embora, neste caso...), também não é o facto de alguém se pôr à procura de emprego que cria emprego! “Deixemos os desempregados em paz!” deveria ser a única máxima respeitável quando o nível da procura efectiva e o apetite de acumulação dos empresários se mostram insuficientes para que se realize a esperança de toda a população encontrar trabalho.
A boa fé poderia mesmo levar a admitir, quando o emprego falta, e face ao amoralismo dos prelados defensores do trabalho penoso, que a racionalidade económica mais bem pensada exige que se proclame a instituição do desemprego voluntário. De facto, quando a penúria se instala, mais vale frustrar os que têm menos necessidade desse “bem” tão desejado. Desde há dois séculos, entregámos as chaves da casa à economia de empresa privada, para o bem e para o mal. Quando surge o mal (o “bem” aconteceu às vezes, quando o mundo capitalista desenvolvido era keynesiano-fordiano), a razão “liberal” no verdadeiro sentido da palavra exigiria que se moderasse ao máximo o duro esforço da colectividade, deixando os indivíduos “escolher” quem deve estar desempregado e quem deve ocupar um emprego. Não é precisamente esta a orientação que se está a esboçar...
Desde há muito tempo, os povos sabem que é graças ao produto dos seus impostos que são enviados para a guerra. A novidade radical agora surgida é que, ao financiarem a OCDE, eles erguem exércitos contra si mesmos."

Quem quiser ler o resto do artigo onde esta citação está contida, chamada "Os economistas em guerra contra os desempregados" sirva-se.

Etiquetas: ,

domingo, fevereiro 25, 2007

Exclusões. Inclusões. Insucesso. Sucessos..

Desde o seu início até há algumas dezenas de anos os sistemas educativos das nossas sociedades ocidentais caracterizaram-se por usar, primeiro, o não acesso ou acesso diferenciado, depois as vias de educação diferentes em duração e prestígio, na devida estratificação dos públicos escolares em conformidade com as proveniencias de classe. A divisão de classes tinha nos sistemas educativos um dos mais fortes, entre outros, instrumentos de segregação social. Primeiro, entre aqueles que acediam à escola ou não acediam de todo. Depois entre os que completavam ou não a escola básica. Posteriormente entre os que tinham sucesso e prosseguiam estudos e entre aqueles que não tinham sucesso e não os prosseguiam. Depois ainda entre aqueles que tinham insucessos para prosseguir determinado tipo de estudos e eram remetidos para outros.
(Evidentemente aqui há um jogo entre as forças que dominam a sociedade e aquelas que, embora subordinadas, lutam por a transformar. As forças dominantes nunca estiveram interessandas em dar às massas trabalhadoras mais do que era requerido para a sua capacidade como forças produtivas na sociedade existente. Aliada essa formação laboral estava uma formação ideológica que tentava moldar e conter potenciais aspirações indesejáveis das classes trabalhadoras. Do lado destas, evidentemente, encontravam-se interesses diferentes: alcançar um nível escolar mais elevado, melhores remunerações e condições de trabalho; menores horários laborais.)
Actualmente há um novo tipo de segregação a que eu chamaria de diferenciação de sucessos: os "sucessos rascas" para um sector apreciável da população e sucessos de "qualidade diferenciada" para segmentos específicos e minoritários da sociedade. De facto para quê segregar através da marca do insucesso se podemos utilizar para todos a chancela do sucesso. Só que estes sucessos aparentemente iguais são mais iguais para uns do que para outros.
Tudo isto, ao fim ao cabo, segue as necessidades das nossas sociedades capitalistas de hoje: se as nossas sociedades são tão duais e tão segmentadas a começar pelo dito mercado de trabalho; e se a grande moda discursiva e real actual relativamente às políticas de educação é a de que estas devem estar ao serviço das necessidades do mercado de trabalho; percebe-se o rumo da educação:
-o nosso mercado de trabalho (refiro-me ao nosso mas utilizo em grande parte números provenientes de estudos norte americanos sobre as necessidades de trabalhadores) começa, em primeiro lugar por excluir uma quantidade considerável de trabalhadores - o desemprego dito estrutural- na ordem real dos 10 ou mais %, mantida quase indefinidamente nessa condição. Que necessidade tem os politicos "realistas" do nosso sistema capitalista de desenvolver um sistema educativo de qualidade para formar esses "párias"?
-apesar das balelas sobre a "sociedade do conhecimento" o nosso mercado de trabalho requisita e requisitará nas próximas décadas uma quantidade considerável de trabalhadores, especialmente na área dos serviços, cuja formação profissional específica requerida é muito reduzida. Bastam alguns dias para que os trabalhadores estejam formados para essas tarefas, desde que tenham adquirido anteriormente certas competências gerais básicas no sistema educativo. Para esse grupo substancial de trabalhadores, aquilo que se requer do sistema educativo não é muito exigente. Para uma convincente desmontagem desta questão ler aqui um texto esclarecedor.
-Restam no topo alguns grupos não muito numerosos de profissionais que requerem uma formação longa e de nível superior. Para esses o sistema educativo tem de dar respostas adequadas.
Para cada grupo de desempregados, de trabalhadores precários, de trabalhadores adaptáveis de formação reduzida, média ou superior é preciso encontrar o lugar, o acesso e o sucesso no sistema educativo. Mais do que o antigo não acesso ou insucesso, os sucessos relativos e específicos são, simultaneamente mais adaptados aos tempos modernos e mais digeríveis socialmente pelas opiniões públicas.
Repare-se em Portugal nos antigos e actuais números de exclusão e de insucesso na escola. Repare-se nas actuais (falo dos últimos 15 anos e da actualidade em particular) exigências de sucesso e nas medidas utilizadas para o obter. Não é isto que está a acontecer? Não é esta necessidade de conformar de forma suave o que se passa no sistema educativo às necessidades reais das nossas sociedades de mercado, o que se está a passar?
Por trás dos discursos há que ler as reais intenções.
Por trás das medidas há que desmascarar os motivos.
Aqui há uns anos o saudoso Rui Grácio dizia que o "insucesso escolar era o sucesso do sistema". Se estivesse vivo, com certeza veria necessidade de modificar essa expressão: agora o sucesso do sistema é mais subtil e vive de sucessos à medida.

Etiquetas:

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

O Rolo Compressor I

O que se passa em Portugal (e na Educação e na Saúde em particular) é que o rolo compressor do neoliberalismo está a funcionar melhor do que nunca.
Já o disse e repito: os actuais gerentes da politica de direita que está a ser aplicada em Portugal são os seus intérpretes ideais: nominalmente socialistas, portanto de "esquerda", seriam insuspeitos para aplicarem politicas de direita. No entanto basta ver os apoios da direita de facto, dos senhores do capital, para ver o real sentido das politicas.
Esse apoio verifica-se principalmente através dos seus meios de comunicação social. E àqueles que se atiram aos jornalistas como os responsáveis pelas mentiras e ocultação das verdades eu direi: de facto, os jornalistas têm a sua parte de culpa, mas é preciso não esquecer que eles estão sujeitos, na sua imensa maioria, aos ditames editoriais dos grupos económicos que, cada vez mais concentradamente, mandam nos meios de comunicação social privados, ou, no caso dos média públicos, às influências do poder. Os jornalistas são um grupo profissional estritamente controlado e mantido na linha através da pressão do desemprego, dos despedimentos, de certas leis e das linhas editoriais e chefias redatoriais cujos critérios, muito mais do que competência técnica, envolve fidelidades de interesses. Ser jornalista sério em Portugal (e não só) é tarefa dificílima quase impossivel, digo eu, que conheço o jornalismo do lado de fora, embora sempre tenha lido bastante sobre as questões do jornalismo.
Para quem tenha uma visão cândida das formas como o capital e o poder usam os meios de comunicação social, transcrevo aqui uma parte dum texto tão "actual" que Einstein escreveu há cerca de 60 anos, intitulado "Porquê o socialismo?":
"O capital privado tende a concentrar-se em poucas mãos, em parte por causa da concorrência entre os capitalistas e em parte porque o desenvolvimento tecnológico e a crescente divisão do trabalho encorajam a formação de unidades de produção maiores à custa de outras mais pequenas. O resultado destes desenvolvimentos é uma oligarquia de capital privado cujo enorme poder não pode ser eficazmente controlado mesmo por uma sociedade política democraticamente organizada. Isto é verdade, uma vez que os membros dos órgãos legislativos são escolhidos pelos partidos políticos, largamente financiados ou influenciados pelos capitalistas privados que, para todos os efeitos práticos, separam o eleitorado da legislatura. A consequência é que os representantes do povo não protegem suficientemente os interesses das secções sub-privilegidas da população. Além disso, nas condições existentes, os capitalistas privados controlam inevitavelmente, directa ou indirectamente, as principais fontes de informação (imprensa, rádio, educação). É assim extremamente difícil e mesmo, na maior parte dos casos, completamente impossível, para o cidadão individual, chegar a conclusões objectivas e utilizar inteligentemente os seus direitos políticos."
Resumindo: no caso de Portugal contemporâneo, a golpada neoliberal em curso está a ser feita a todo o vapor sob disfarce de políticos ditos de esquerda e com todo o apoio da direita de facto, usando o instrumento fundamental da comunicação social. A mentira, a ocultação, são usados diariamente em doses maciças, pelo governo e pelos seus acólitos. Com a comunicação social dominada não é de admirar a dificuldade que quem contesta esta política tenha imensa dificuldade em chegar à população portuguesa. A propaganda maciça utilizada explica em larga medida as sondagens positivas obtidas neste momento em Portugal pelo partido socialista, apesar das medidas nefastas para a maioria da população e de contestações sectoriais.
Duas mentiras de base (com algo de verdade como convém às mentiras funcionais) são largamente utilizadas e têm funcionado até ao momento:
-a 1.ª a de que existe uma grave crise económica cuja origem advém do défice (acima dos 3%) e de dívida pública excessiva- a chamada "obsessão pelo défice" como a designa a oposição à esquerda do PS;
-a 2.a a de que não há solução para a crise senão a preconizada pelo ideário neoliberal: redução das despesas públicas; privatizações; incentivo ao mercado; reformas da segurança social, saúde e educação no sentido de redução de direitos e de despesas; redução do número de funcionários públicos; desregulamentação das leis laborais e liberalização dos despedimentos.
Quanto à primeira mentira um desmentido histórico e uma visão diferente da interpretação neoliberal pode ser lida aqui, a qual demonstra que no nosso país, têm coincidido períodos de grande défice com crescimento económico. As politicas recessivas centradas na limitação das despesas públicas, designadamente com o investimento, a tal obsessão com o défice, não têm nitidamente dado os resultados que oficialmente são esperados. Mas não sejamos ingénuos. E se os resultados que efectivamente se queriam obter fossem outros? E se o que se pretendia era uma reconfiguração do estado, diminuindo drasticamente as despesas públicas, privatizando o que ainda é público e é aliciante para o mercado, passando o mais possivel para a esfera do privado os actuais serviços públicos actualmente existentes (Educação e Saúde em particular)? E se o objectivo dessas medidas fosse trucidar os actuais direitos à saúde e à educação dos cidadãos fazendo-os pagar "a la carte" como mercadorias de qualidade variável em função do poder de compra de cada individuo/família? Tal seria uma jogada de mestre, não? Conseguir um objectivo inconfessado e inconfessável, usando argumentos falsos, e fazendo os actores jogar um jogo com o resultado viciado...
É interessante fazer um paralelo. Nos países do terceiro mundo, a onda neoliberal usou o jugo da dívida, obrigando os governos a seguirem a receita única do FMI e do Banco Mundial: privatizazações; limitar drasticamente os gastos públicos; liberalizar mercados; desregulamentar direitos sociais; facilitar os despedimentos. (Dívida que, lembre-se, foi instigada pelos próprios bancos e países credores e que depois assumiu proporções gigantescas por efeito de bola de neve, pelo aumento dos juros (e juros dos juros)). Essa receita, dizia, foi aplicada em todos os países independentemente da sua história e tradições, da sua economia e cultura. Os técnicos do FMI levavam em "diskete" a receita para o país onde serviriam de consultores, por vezes, mesmo sem se atreverem a sair dos hoteis em que estavam instalados no período de consultadoria. Os resultados foram e são devastadores em África e na América Latina.
Nos países do primeiro mundo (Refiro-me principalmente à União Eiropeia), já que o problema da dívida não existe com a mesma dimensão, inventou-se uma justificação similar: o problema do défice. Em nome da sua redução (do dito défice) estão a aplicar-se na União Europeia, o mesmo género de receita que os países do 3.º mundo tiveram que aplicar nas últimas décadas com efeitos sociais devastadores do ponto de vista geral e com o aumento da desigualdade social. E se nos países do terceiro mundo os Estados são entidades actualmente despidas de recursos (embora alguns, como sabemos, donos de recursos naturais consideráveis e por isso subjugados por guerras imperiais) já nos países do centro os Estados são entidades com gorduras altamente apetecíveis para um emagrecimento que as transvase para as entidades privadas.
Relativamente à segunda mentira, a de que não há outra solução senão a neoliberal, vejamos. Aparte uma preocupação com uma redução de desperdícios ou gastos supérfluos, que qualquer pessoa de bom-senso considera adequada, outras poderiam e deveriam ser as medidas a adoptar se a preocupação com a justiça social e a igualdade fossem faróis fundamentais das políticas. Por exemplo, olhando do lado das receitas e sabendo que, segundo estimativas realistas, a nossa economia paralela ronda os 20% da economia real, medidas a médio prazo de luta contra esta realidade seria fonte de receitas bastante significativa. Se actualmente as dívidas ao fisco são imensas a fuga aos impostos é ainda muito maior. Medidas no sentido de as combater trariam proventos consideráveis. Ainda no campo fiscal sabemos que há sectores muito rentáveis em Portugal, banca e grandes empresas que pagam muito pouco ao fisco e têm benefícios fiscais que mais ninguém tem. Que moral tem os nossos governantes para exigirem austeridade aos vários segmentos de trabalhadores quando mantêm ou mesmo aumenta benefícios fiscais para quem já apresenta lucros descomunais, mesmo, ou sobretudo, em tempo dito de crise? Quanto à politica de privatizações é de perguntar porque se privatizam (e privatizaram) empresas altamente rentáveis que dão lucros de milhões ao erário público e só fica aquilo que não é rentável? É certo que muitas destas medidas são condicionadas, sabemo-lo, pela União Europeia. Esta união, em grande parte não é mais do que a federação de grandes interesses económicos. O neoliberalismo está no seu seio, nas medidas que obriga ou sugere aos estados componentes para aplicar. Grande parte do conteúdo da até agora fracassada constituição (projecto) está aí para o demonstrar.
Quanto ao rolo compressor na Educação em Portugal que estamos actualmente a viver fica para um próximo post que este já vai muito longo.

Etiquetas:

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Árvores e Florestas

Não é possivel analisar a situação da Educação sem a contextualizar na sociedade em que ela se integra. Esta é uma afirmação que penso ninguém negará nos tempos que correm. No entanto quantas vezes se fazem análises essencialistas em que se critica a Educação sem se fazer essa contextualização necessária?
Critica-se actualmente a Educação em Portugal pelas suas deficiências em conseguir qualificar os recursos humanos. Embora este tipo de crítica seja em si mesma discutível em certos aspectos, não sou eu que vou negar que a nossa Educação e o sistema Educativo que temos padece de problemas de qualidade e de eficácia. (Não podemos esquecer a necessidade de definir a eficácia e a qualidade).
Mas peço-vos para que me acompanhem num raciocínio relacional (da Educação com a Sociedade) colocando a seguinte questão: o que aconteceria socialmente se, no actual modelo social que temos, a nossa Educação fosse de óptima qualidade e produzisse uma qualificação de recursos humanos abundante e de excelente formação?

Etiquetas:

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Minas e armadilhas

Existe uma técnica muito usada nestes tempos neoliberais:
1º- Deixa-se cair o nível dos serviços públicos prestados às populações. Para isso nada melhor do que cortar nos orçamentos dos serviços, nos efectivos que os prestam, nas condições de prestação. A desregulamentação é outro dos ingredientes fundamentais;
2º- perante a situação de não resposta ou resposta muito deficiente destes serviços, culpam-se os próprios serviços e os seus profissionais e, principalmente, o seu estatuto público;
3º- aparecem uns inteligentes a dizer que os privados prestariam serviços melhores e a preços mais baixos;
4º- a receita destes inteligentes é devidamente martelada nos órgãos de comunicação social independentes privados. (É também muito utilizado o recrutamento de inteligentes para grupos de trabalho, ditos independentes, promovidos pelos governos).
5.º- entra-se então no caminho da privatização, não sem primeiro, geralmente, se utilizarem uns nomes e umas entidades híbridas e pomposas tipo: PPP (Parcerias Público-Privadas) ou EPE (Empresas Públicas do Estado), Rede Público-Privada. Nos níveis autárquicos a coisa faz-se transitando dos Serviços Públicos Municipalizados para as Empresas Municipais em que o início do nome condiz com o sítio e o fim com a suposta utilidade. (Por exemplo GuindaisdeBaixoAnima);
6.º- Voltamos aos bons velhos tempos, isto é ao século XIX: queres Saúde, Educação, etc? Paga-a! Há algumas nuances, convenhamos: saúde, educação, assistência mínimas e de confrangedora qualidade e públicas para quem não pode pagar os serviços privados.
Este caminho a nível nacional está em pleno andamento com a Saúde, com a destruição do Serviço Nacional de Saúde. Pessoas a morrer ou a serem assistidas 7 ou 9 horas depois de serem acometidas por doenças súbitas, fruto do encerramento de unidades de saúde. E em vez de vermos os jornais atirarem-se às políticas de saúde e ao actual ministro já apareceram os inteligentes... a dizer que o INEM poderia ser privado, mais barato e com mais qualidade...
Nas autarquias este caminho é também bem visível.
Na Educação só não o vê quem andar cego.

Etiquetas:

sexta-feira, janeiro 19, 2007

"Praça de jorna"

A forma como o ministério da Educação trata os professores contratados é, para mim, revoltante:
-directamente, ao criar um calvário desnecessário e injusto para os próprios professores ao prescindir de concursos uniformes e nacionais. Porquê optar por formas de contratação que preconizam uma relação particularista em relação a cada uma das escolas, que obrigam os professores a andar a apresentar currículos casuisticamente, submetendo-se a critérios díspares e estando em última circunstância dependentes de "vontades subjectivas"? (Eu sei algumas das possiveis respostas que estiveram por trás dessa decisão);
-indirectamente, por exemplo, ao criar o caldo de exploração laboral que se tem visto com professores em saldo (contratados pelas câmaras ou por empresas) a trabalhar nas ditas actividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo.
Aproveitando o facto de haver milhares de professores actualmente no desemprego, (facto que os governos, incluindo este, contribuiram largamente para criar) este governo está a desvalorizar objectivamente a níveis nunca vistos a profissão de professor e a configurar a montante uma profissão precária, mal paga, explorada, de gente que "mendiga" humilhantemente pelas escolas e empresas de "serviços educativos"colocações, e que se verá bastante inclinada a recorrer, sempre que possível à "instituição" da cunha. A qualidade de ensino, as pessoas e as suas qualidades de cooperação nas escolas irão sofrer efeitos e não serão decerto num sentido positivo.
Tudo isto me faz lembrar as praças de jorna imortalizadas num pequeno texto do Soeiro Pereira Gomes.

Etiquetas: , ,

sábado, janeiro 13, 2007

Sísifo reencontrado

Subir aquela montanha
e a dado passo
pensar fazer dos pés
máquinas sem cansaço.

Entrar num templo desconhecido
e num degrau apenas suposto
perder para sempre a ilusão.

E, sem perceber bem como
Ser, pelo nada engolido.
Ser, pelo pó humilhado.

(Ontem fui ao funeral dum filho jovem de um colega de trabalho. Simplesmente das "coisas" piores da nossa vida.)

Etiquetas: