John "Vitinha" Locke
Eis aqui o inspirador do nosso eterno presidente do Banco de Portugal, Lord Victor Constante, perdão, doutor Vitor Constâncio. Ainda há quem diga mal do nosso Vitinha. Vejam este seu antepassado inglês, numa citação de Istvan Meszaros, que podem ler aqui.
"No tempo em que John Locke escrevia, havia uma maior procura de pessoas empregáveis lucrativamente do que no tempo de Henrique VIII, mesmo que ainda muito distante do que veio a suceder durante a revolução industrial. Portanto a "população excedentária" em diminuição significativa não teve de ser fisicamente eliminada como anteriormente. Todavia, tinha de ser tratada de uma forma mais autoritária, racionalizando-se ao mesmo tempo a brutalidade e a desumanidade recomendadas em nome de uma alta e bombástica moralidade. Deste modo, nas últimas décadas do século XVII, em conformidade com o ponto de vista capitalista da economia política da época, o grande ídolo do liberalismo moderno, John Locke – um latifundiário absenteísta em Somersetshire bem como o responsável do governo mais generosamente pago – pregava a mesma "infantilidade insípida", tal como descrita por Marx. Locke insistiu em que a causa para "O crescimento dos pobres… não pode ser nada mais do que o relaxamento da disciplina e a corrupção dos hábitos; estando a virtude e a indústria como companheiros constantes de um lado assim como o vício e a ociosidade estão do outro. Portanto, o primeiro passo no sentido de colocar os pobres no trabalho… deve ser a restrição da sua libertinagem através de uma execução estrita das leis contra ela existentes [por Henrique VIII e outros]. [13] Recebendo anualmente a remuneração quase astronómica de cerca de £1,500 pelos seus serviços ao governo (como Comissário no Board of Trade, um dos seus vários cargos), Locke não hesitou em louvar a perspectiva de os pobres ganharem "um centavo por dia" [14] (a penny per diem), ou seja, uma soma aproximadamente 1.000 vezes inferior ao seu próprio vencimento em apenas um dos seus cargos governamentais. Não surpreendentemente, portanto, "O valor dos seus bens quando faleceu – quase £20,000, das quais £12,000 eram em dinheiro – era comparável ao de um comerciante próspero de Londres". [15] Um grande feito para uma pessoa cuja principal fonte de receitas era ordenhar – confessadamente de bom grado – o Estado!
Além disso, sendo um verdadeiro cavalheiro, com um muito elevado interesse a proteger, ele também queria regular os movimentos dos pobres através da medida perversa dos passes, propondo que: "Todos os homens a mendigar nos municípios marítimos sem passes, que sejam aleijados ou tenham mais que 50 anos de idade, e todos os de qualquer idade também mendigando sem passes nos municípios do interior sem qualquer orla marítima, devem ser enviados para uma casa de correcção próxima, para aí serem mantidos em trabalhos pesados durante três anos". [16] E enquanto as leis brutais de Henrique VIII e de Eduardo VI pretendiam cortar apenas " metade da orelha" dos criminosos reincidentes, o nosso grande filósofo liberal e responsável do Estado – uma das figuras dominantes do Iluminismo inglês – sugeriu uma melhoria de tais leis ao recomendar solenemente a perda de ambas as orelhas, a ser administrada àqueles que cometessem um crime pela primeira vez. [17]
Ao mesmo tempo, no seu Memorandum on the Reform of the Poor Law, Locke também propôs a instituição de casas de trabalho para os filhos dos pobres ainda de tenra idade, argumentando que: "Os filhos das pessoas trabalhadoras são um fardo comum para a paróquia, e habitualmente são mantidas na ociosidade, de forma que o seu trabalho também é geralmente perdido para o público até que eles atinjam doze ou catorze anos de idade. O remédio mais eficaz para isto que somos capazes de conceber, e o qual deste modo humildemente propomos, é o de que, na acima mencionada lei a ser decretada, seja além disso determinado que se criem escolas de trabalho em todas as paróquias, às quais os filhos de todos tal como exige o alívio da paróquia, acima dos três e abaixo dos catorze anos de idade … devem ser obrigados a ir". [18]
Não sendo ele próprio um homem religioso, a principal preocupação de Locke era combinar disciplina de trabalho severa e doutrinação religiosa com a máxima frugalidade financeira municipal e estatal. Ele argumentava que "Também outra vantagem de levar as crianças a uma escola prática é que desta forma elas podem ser obrigadas a ir à igreja todos os domingos, juntamente com os seus professores ou professoras, na qual podem ser levados a ter algum sentido de religião; ao passo que agora, de forma geral, no seu ócio e na sua educação descontraída, eles são totalmente estranhos tanto à religião e à moralidade como o são para a indústria ". [19]
Obviamente, então, as medidas que tinham de ser aplicadas aos "trabalhadores pobres" eram radicalmente diferentes daquelas que os "homens da razão" consideravam adequadas para si próprios. No final tudo se reduzia a relações de poder nuas, impostas com extrema brutalidade e violência no decurso dos primeiros desenvolvimentos capitalistas, desprezando a forma como eram racionalizadas nos "delicados anais da economia política", nas palavras de Marx."
"No tempo em que John Locke escrevia, havia uma maior procura de pessoas empregáveis lucrativamente do que no tempo de Henrique VIII, mesmo que ainda muito distante do que veio a suceder durante a revolução industrial. Portanto a "população excedentária" em diminuição significativa não teve de ser fisicamente eliminada como anteriormente. Todavia, tinha de ser tratada de uma forma mais autoritária, racionalizando-se ao mesmo tempo a brutalidade e a desumanidade recomendadas em nome de uma alta e bombástica moralidade. Deste modo, nas últimas décadas do século XVII, em conformidade com o ponto de vista capitalista da economia política da época, o grande ídolo do liberalismo moderno, John Locke – um latifundiário absenteísta em Somersetshire bem como o responsável do governo mais generosamente pago – pregava a mesma "infantilidade insípida", tal como descrita por Marx. Locke insistiu em que a causa para "O crescimento dos pobres… não pode ser nada mais do que o relaxamento da disciplina e a corrupção dos hábitos; estando a virtude e a indústria como companheiros constantes de um lado assim como o vício e a ociosidade estão do outro. Portanto, o primeiro passo no sentido de colocar os pobres no trabalho… deve ser a restrição da sua libertinagem através de uma execução estrita das leis contra ela existentes [por Henrique VIII e outros]. [13] Recebendo anualmente a remuneração quase astronómica de cerca de £1,500 pelos seus serviços ao governo (como Comissário no Board of Trade, um dos seus vários cargos), Locke não hesitou em louvar a perspectiva de os pobres ganharem "um centavo por dia" [14] (a penny per diem), ou seja, uma soma aproximadamente 1.000 vezes inferior ao seu próprio vencimento em apenas um dos seus cargos governamentais. Não surpreendentemente, portanto, "O valor dos seus bens quando faleceu – quase £20,000, das quais £12,000 eram em dinheiro – era comparável ao de um comerciante próspero de Londres". [15] Um grande feito para uma pessoa cuja principal fonte de receitas era ordenhar – confessadamente de bom grado – o Estado!
Além disso, sendo um verdadeiro cavalheiro, com um muito elevado interesse a proteger, ele também queria regular os movimentos dos pobres através da medida perversa dos passes, propondo que: "Todos os homens a mendigar nos municípios marítimos sem passes, que sejam aleijados ou tenham mais que 50 anos de idade, e todos os de qualquer idade também mendigando sem passes nos municípios do interior sem qualquer orla marítima, devem ser enviados para uma casa de correcção próxima, para aí serem mantidos em trabalhos pesados durante três anos". [16] E enquanto as leis brutais de Henrique VIII e de Eduardo VI pretendiam cortar apenas " metade da orelha" dos criminosos reincidentes, o nosso grande filósofo liberal e responsável do Estado – uma das figuras dominantes do Iluminismo inglês – sugeriu uma melhoria de tais leis ao recomendar solenemente a perda de ambas as orelhas, a ser administrada àqueles que cometessem um crime pela primeira vez. [17]
Ao mesmo tempo, no seu Memorandum on the Reform of the Poor Law, Locke também propôs a instituição de casas de trabalho para os filhos dos pobres ainda de tenra idade, argumentando que: "Os filhos das pessoas trabalhadoras são um fardo comum para a paróquia, e habitualmente são mantidas na ociosidade, de forma que o seu trabalho também é geralmente perdido para o público até que eles atinjam doze ou catorze anos de idade. O remédio mais eficaz para isto que somos capazes de conceber, e o qual deste modo humildemente propomos, é o de que, na acima mencionada lei a ser decretada, seja além disso determinado que se criem escolas de trabalho em todas as paróquias, às quais os filhos de todos tal como exige o alívio da paróquia, acima dos três e abaixo dos catorze anos de idade … devem ser obrigados a ir". [18]
Não sendo ele próprio um homem religioso, a principal preocupação de Locke era combinar disciplina de trabalho severa e doutrinação religiosa com a máxima frugalidade financeira municipal e estatal. Ele argumentava que "Também outra vantagem de levar as crianças a uma escola prática é que desta forma elas podem ser obrigadas a ir à igreja todos os domingos, juntamente com os seus professores ou professoras, na qual podem ser levados a ter algum sentido de religião; ao passo que agora, de forma geral, no seu ócio e na sua educação descontraída, eles são totalmente estranhos tanto à religião e à moralidade como o são para a indústria ". [19]
Obviamente, então, as medidas que tinham de ser aplicadas aos "trabalhadores pobres" eram radicalmente diferentes daquelas que os "homens da razão" consideravam adequadas para si próprios. No final tudo se reduzia a relações de poder nuas, impostas com extrema brutalidade e violência no decurso dos primeiros desenvolvimentos capitalistas, desprezando a forma como eram racionalizadas nos "delicados anais da economia política", nas palavras de Marx."
Como as estórias da História se parecem!
Este excerto foi retirado do texto do autor citado "A Educação para além do Capital" que constitui uma pedrada no charco das visões idílicas sobre as pretensas virtudes da Educação fora das circunstâncias gerais que a condicionam.
Este excerto foi retirado do texto do autor citado "A Educação para além do Capital" que constitui uma pedrada no charco das visões idílicas sobre as pretensas virtudes da Educação fora das circunstâncias gerais que a condicionam.
Etiquetas: Crítica
6 Comentários:
Por um momento pensei que se referisse a Ceausescu (século XX) e não a Locke (séc. XVIII). De facto, há coisas engraçadas.
Mas olhe que o Locke também deixou coisas boas -- e por isso a filosofia dele ainda é objecto de estudo. Já os ditadors do século XX -- os de esquerda e os de direita -- mais não deixarão que consternação pelo mal causado. E uma valente lição para o futuro.
Claro que deixou,sl. Dessas até conhecia um bocado. Estas que reproduzi é que são pouco conhecidas e merecem ser conhecidas - a sua faceta de intelectual orgânico do regime. E os tais ditadores de que fala devem ter aprendido com as práticas do filósofo e menos com as suas teorias.
Este comentário foi removido pelo autor.
George Bush é um excelente exemplo de como o capitalismo selvagem deixou escola -- e nisso estamos seguramente de acordo.
Mas os lobos com pele de cordeiro assustam-me mais. Temos por aí uma série de políticos "preocupados" com a "segurança", a "empregabilidade", a "qualificação" e o "desenvolvimento" que mais não fazem que tratar dos próprios negócios e de garantir para as corporações que representam os devidos benefícios. Bagão Félix, o mesmo que defende o não ao aborto e o aumento das taxas de natalidade, foi, ele próprio, o promotor de um contrato laboral que flexibilizou a "coisa" até à impossibilidade efectiva de as mulheres poderem engravidar livremente sem receio de a)serem despedidas ou b) serem transferidas para um local bem mais distante de casa.
Deve ser a isso que eles chamam flexisegurança. Eu chamo-lhes sacanice.
O Bagão é bem nosso conhecido. É o melhor exemplo de beato que conheço na política dos últimos anos.
Foi dele o Código do Trabalho.
Quando nós dizemos que estão a começar pelos funcionários públicos e pelos professores, se formos a ver bem nem é verdade. Com o célebre código eles começaram por todos os trabalhadores, principalmente pelos do privado, agora estão a centrar-se na função pública e ainda chegarão a pior aos outros todos.
continua a saber vir até aqui , ler e aprender...
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial