Mas. E se os objectivos fossem outros...
"Os esquemas de avaliação que implicam 100% do pessoal docente, tendo em vista detectar uma pequena percentagem de incompetentes, constituem uma perda apreciável de tempo.
4. Competência não aproveitada (e negligência da incompetência)
O isolamento tem dois significados: quaisquer que sejam as coisas maravilhosas que os professores façam, ninguém dará por elas e quaisquer que sejam as más, ninguém as corrigirá. Muitas das soluções para os problemas do ensino estão algures, "lá fora", mas permanecem inacessíveis. Não conseguimos vê-las. Recentemente ouvimos uma observação atribuída a um africano: "cada vez que morre uma pessoa idosa, arde uma biblioteca". Os professores veteranos são subaproveitados de uma forma inadmissível. O cinismo passa à reforma, mas também a sabedoria. Os professores novos, que combinam o idealismo com a energia e com o medo também são subvalorizados, pois as tendências conservadoras ligadas à sobrevivência fazem-se anunciar e começam, desde logo, a dar forma às suas carreiras, orientando-as para os limites inferiores. Qualquer solução terá de considerar e estimular aquilo que os docentes têm para oferecer, independentemente do estádio da carreira em que se encontrem. Este reservatório invisível de competência é uma das grandes fontes de talentos que estão subaproveitados - ele pode alimentar os nossos esforços de aperfeiçoamento e está mesmo debaixo dos nossos narizes.
Todavia se abrirmos as salas de aula para encontrar a excelência, também nos arriscamos a expor as práticas inadequadas e a incompetência. Embora este seja um risco real, a verdadeira dimensão do problema da incompetência é bem inferior à dos receios que suscita. Quantos professores pensa o leitor que são irremediavelmente incompetentes? É muito provável que não excedam os 2% ou 3%. Muitos docentes são extremamente eficazes. Os seus problemas decorrem da falta de acesso a outros colegas. Isto significa que eles se poderiam tornar ainda melhores se partilhassem a sua competência. Muitos outros professores são competentes, mas poderiam aperfeiçoar-se, consideravelmente, se estivessem inscritos num ambiente mais colaborativo. Se tal ambiente existisse, desde o início da sua carreira, seriam radicalmente mais eficazes. Os docentes incompetentes ou se tornaram assim ao longo de anos de experiências improdutivas e alienantes ou, desde o princípio, não tinham o perfil adequado para o ensino. A imposição de esquemas punitivos de avaliação a todos é como utilizar uma marreta para esmagar uma noz. Tal imposição reduz a "avaliação" ao mínimo denominador comum. Os esquemas de avaliação que implicam 100% do pessoal docente para detectar uma pequena percentagem de incompetentes, constituem uma perda de tempo considerável. Ironicamente, a ansiedade que provocam também pode desincentivar a excelência de muitos que se tornam relutantes em correr riscos, devido ao receio da punição.
O profissionalismo interactivo expõe os problemas da incompetêmcia de uma forma mais natural e delicada. Ele faz com que os indivíduos passem a encarar a sua situação como um compromisso contínuo. Em qualquer caso, estão já disponíveis esquemas específicos para lidar com aqueles que são seriamente incompetentes. Os mecanismos de avaliação deveriam estar, decididamente, focalizados no crescimento e no desenvolvimento. Qualquer outra coisa representaria ganhar uma velha batalha, mas perder todas as guerras. Não podemos agir como se os professores não soubessem o que estão a fazer, sem que isto se torne, garantidamente, uma profecia que se realiza a si própria. Mesmo os procedimentos de avaliação concebidos em termos de desenvolvimento podem originar uma atmosfera de conservadorismo, se se pressentir que eles têm significados negativos encobertos.
Em suma, é importante que utilizemos a competência que existe e que aprendamos uns com os outros de um modo mais eficaz. A mensagem consiste em lutar pelo acesso às ideias dos outros, assumindo que, nestas condições, as pessoas melhorarão e, em última análise, não tolerar os poucos que não correspondem."
In Por que é que vale a pena lutar? O trabalho de equipa na escola.
Michael Fullan e Andy Hargreaves.
Porto Editora.
Mas... E se os objectivos da avaliação dos professores fossem outros que não estes apontados pelos dois autores citados? Inconfessados mas perfeitamente decifráveis...
2 Comentários:
Se os objectivos fossem outros...
Nem de propósito: acabo de publicar no meu blog a quinta e última duma série de postagens sob o título geral «O Bom Professor». Poderá ler aí alguma coisa do que julgo serem esses outros objectivos.
“E se os objectivos da avaliação dos professores fossem outros que não estes apontados pelos dois autores citados? Inconfessados mas perfeitamente decifráveis...”
Discordo desta tua observação, Henrique. A própria ministra confessou na recente entrevista à Visão que “as questões técnicas da pedagogia não devem vir para a esfera da actividade política”. Como a actual política educativa vive à margem das questões pedagógicas, para quê invocar razões pedagógicas para refutar as medidas deste ME? Mas continuo sem saber o que deve vir para a esfera política…
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