"Estatuto da Escravização Docente"
Recebi como conteúdo de um dos últimos comentários (agradeço ao Carlos Monteiro que mo enviou) um texto publicado no blogue http://alhosvedrosaopoder.blogspot.com/ (autor não identificado) e que merece ser lido e analisado pelos professores tal excelência do seu conteúdo.
"Muitos são os trocadilhos que se podem fazer com a designação de Estatuto da Carreira Docente. Confesso que a que mais me agrada é a de Estatuto da Escravidão Docente e isso não se deve ao desejo de fazer um trocadilho fácil, mas simplesmente porque é aquilo que mais me parece adequado na actual proposta de revisão apresentada pelo Ministério da Educação.O documento colocado para discussão (será mesmo negociável?) é passível de ser atacado de muitas formas, sendo as mais óbvias aquelas que são esperadas pela equipa ministerial para contra-atacar de acordo com o modelo típico deste Governo que é o de mostrar determinados grupos sociais como privilegiados e reactivos de forma corporativa ao esforço moralizador do Estado.Também é errado atacá-lo por significar a vitória de uma qualquer facção instalada no Ministério da Educação sobre estes ou aqueles professores, porque isso é minimizar os seus perigos e reduzi-los a questões de luta pelo Poder, o que é perfeitamente lateral ao que é fundamental nesta questão.Por isso, esse é o caminho que não deve ser seguido por quem pretender demonstrar como este potencial futuro ECD é negativo e prejudicial, não apenas para os professores, mas para o funcionamento do sistema educativo no seu conjunto.Porque esta proposta de revisão do ECD contém demasiados equívocos, erros, omissões, injustiças profundas, incongruências e factores de distorção, para nos ficarmos pela espuma das aparências. Convém, por isso, por deixar de lado a questão das faltas, dos critérios para a sua justificação ou mesmo da multiplicidade de deveres reservados aos docentes numa lista que parece tirada de um rol de mercearia..
Comecemos pelas evidentes incongruências do documento: antes de mais, pelo paradoxo de um documento que pretende servir uma Escola plural, criativa, flexível e com capacidade de reacção aos diversos problemas que se lhe podem colocar, optar por uma estratégia que tolhe profundamente a acção dos docentes, impondo-lhes um espartilho de obrigações formais e de regras de comportamento, cujo não cumprimento pode implicar graus diversos de penalização (desde logo a não progressão na carreira) que torna virtualmente impossível que esses mesmos docentes se sintam disponíveis para arriscar soluções inovadoras, mas potencialmente “irregulares” e, no caso de falharem, puníveis.Em seguida, o paradoxo de um discurso que, pretendendo afirmar uma política de meritocracia, reduz imenso as possibilidades de valorização dos docentes, limitando-lhe as hipóteses de valorização pessoal, circunscrevendo-as na prática apenas à oferta das próprias estruturas centrais, regionais ou locais do Ministério..
Depois temos injustiças gritantes como fazer depender parte da avaliação de um docente do desempenho dos seus alunos, pois isso coloca em situação de vulnerabilidade todos aqueles que trabalham, voluntariamente ou não, em zonas e com turmas problemáticas. Isto significa que os professores que se disponibilizam para trabalhar com turmas de percursos ou currículos alternativos e outras modalidades e soluções destinadas a combater as situações de maior insucesso escolar, estão em situação de risco acrescido em relação a quem trabalha em zonas “pacíficas” e com turmas regulares. O abandono escolar ou o insucesso escolar provocado por factores exógenos à acção do docente terão reflexos na sua avaliação, mesmo que tenha feito tudo o que estava ao seu alcance para contrariar situações que, por exemplo, podem derivar da situação familiar dos discentes. Para além disso, coloca nas mãos dos órgãos executivos a possibilidade de fazer uma distribuição “selectiva” das turmas, favorecendo conjuntos de docentes em relação a outros.
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Quanto aos factores de distorção passíveis de ser introduzidos em todo o sistema de funcionamento do sistema educativo, logo desde a introdução de um novo ECD como este, destacaria desde logo o facto de ser criado, ex nihilo, um sistema hierárquico tendencialmente gerontocrático, pois postula que passem a professores titulares os docentes que se encontrem actualmente nos 9º e 10º escalões, passando esses professores-titulares a “dominar” áreas sensíveis como a coordenação pedagógica de grupos disciplinares, a orientação de docentes em ano probatório ou a própria avaliação dos restantes docentes. Para um sistema que se pretende meritocrático na progressão na carreira e rigoroso na avaliação, esta primeira medida é claramente incongruente, pois valida o factor-idade como suficiente e único para constituição das novas elites nos estabelecimentos de ensino e/ou agrupamentos. Desde quando é a antiguidade, por si só, critério de mérito que permita o acesso a uma situação de privilégio?.No plano das omissões avulta a inexistência de qualquer tentativa de limitar a perpetuação das mesmas pessoas nos cargos executivos, pois nada se escreve sobre a limitação dos mandatos. Actualmente, existem grupos fechados que dominam estabelecimentos de ensino e agrupamentos, com práticas de gritante nepotismo que a presente proposta de ECD parece querer validar ao fechar formalmente esses grupos e ao dar-lhes um maior poder ainda sobre a avaliação dos colegas, em especial se for aplicada uma política de quotas para a atribuição das melhores classificações..E aqui entronca o mais crasso de todos os erros deste documento que é tornar a avaliação dos professores um processo que não é kafkiano, mas apenas um emaranhado burocrático de competências, em que todos parecem ter um papel na desorientação geral, mas em que a margem para a cristalização de práticas de favorecimento pessoal e de clientelismo se alarga de forma desmesurada. O mais grave não é a participação dos encarregados de educação no processo; o mais contestável é que o processo possa ser adulterado, desde o seu início, por questões de ordem pessoal e tornar-se um sistema atribiliário e, mais do que subjectivo, simplesmenet arbitrário e ditado por humores e simpatias. Qualquer docente que se torne persona non grata junto do poder estabelecido na sua escola, vê-se perfeitamente desprotegido prante a possibilidade de ser prejudicado por um conjunto variado de factores.
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Por tudo isto, e muito mais haveria a dizer numa leitura mais demorada do documento, acho que é dever de todos os docentes com orgulho de ainda o serem, intervirem e desmascararem a forma ínvia como todo este processo tem decorrido e vai culminar, sem que nenhuma parte activa tenha sido deixada aos próprios docentes na definição das condições do exercício da sua profissão.
Comecemos pelas evidentes incongruências do documento: antes de mais, pelo paradoxo de um documento que pretende servir uma Escola plural, criativa, flexível e com capacidade de reacção aos diversos problemas que se lhe podem colocar, optar por uma estratégia que tolhe profundamente a acção dos docentes, impondo-lhes um espartilho de obrigações formais e de regras de comportamento, cujo não cumprimento pode implicar graus diversos de penalização (desde logo a não progressão na carreira) que torna virtualmente impossível que esses mesmos docentes se sintam disponíveis para arriscar soluções inovadoras, mas potencialmente “irregulares” e, no caso de falharem, puníveis.Em seguida, o paradoxo de um discurso que, pretendendo afirmar uma política de meritocracia, reduz imenso as possibilidades de valorização dos docentes, limitando-lhe as hipóteses de valorização pessoal, circunscrevendo-as na prática apenas à oferta das próprias estruturas centrais, regionais ou locais do Ministério..
Depois temos injustiças gritantes como fazer depender parte da avaliação de um docente do desempenho dos seus alunos, pois isso coloca em situação de vulnerabilidade todos aqueles que trabalham, voluntariamente ou não, em zonas e com turmas problemáticas. Isto significa que os professores que se disponibilizam para trabalhar com turmas de percursos ou currículos alternativos e outras modalidades e soluções destinadas a combater as situações de maior insucesso escolar, estão em situação de risco acrescido em relação a quem trabalha em zonas “pacíficas” e com turmas regulares. O abandono escolar ou o insucesso escolar provocado por factores exógenos à acção do docente terão reflexos na sua avaliação, mesmo que tenha feito tudo o que estava ao seu alcance para contrariar situações que, por exemplo, podem derivar da situação familiar dos discentes. Para além disso, coloca nas mãos dos órgãos executivos a possibilidade de fazer uma distribuição “selectiva” das turmas, favorecendo conjuntos de docentes em relação a outros.
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Quanto aos factores de distorção passíveis de ser introduzidos em todo o sistema de funcionamento do sistema educativo, logo desde a introdução de um novo ECD como este, destacaria desde logo o facto de ser criado, ex nihilo, um sistema hierárquico tendencialmente gerontocrático, pois postula que passem a professores titulares os docentes que se encontrem actualmente nos 9º e 10º escalões, passando esses professores-titulares a “dominar” áreas sensíveis como a coordenação pedagógica de grupos disciplinares, a orientação de docentes em ano probatório ou a própria avaliação dos restantes docentes. Para um sistema que se pretende meritocrático na progressão na carreira e rigoroso na avaliação, esta primeira medida é claramente incongruente, pois valida o factor-idade como suficiente e único para constituição das novas elites nos estabelecimentos de ensino e/ou agrupamentos. Desde quando é a antiguidade, por si só, critério de mérito que permita o acesso a uma situação de privilégio?.No plano das omissões avulta a inexistência de qualquer tentativa de limitar a perpetuação das mesmas pessoas nos cargos executivos, pois nada se escreve sobre a limitação dos mandatos. Actualmente, existem grupos fechados que dominam estabelecimentos de ensino e agrupamentos, com práticas de gritante nepotismo que a presente proposta de ECD parece querer validar ao fechar formalmente esses grupos e ao dar-lhes um maior poder ainda sobre a avaliação dos colegas, em especial se for aplicada uma política de quotas para a atribuição das melhores classificações..E aqui entronca o mais crasso de todos os erros deste documento que é tornar a avaliação dos professores um processo que não é kafkiano, mas apenas um emaranhado burocrático de competências, em que todos parecem ter um papel na desorientação geral, mas em que a margem para a cristalização de práticas de favorecimento pessoal e de clientelismo se alarga de forma desmesurada. O mais grave não é a participação dos encarregados de educação no processo; o mais contestável é que o processo possa ser adulterado, desde o seu início, por questões de ordem pessoal e tornar-se um sistema atribiliário e, mais do que subjectivo, simplesmenet arbitrário e ditado por humores e simpatias. Qualquer docente que se torne persona non grata junto do poder estabelecido na sua escola, vê-se perfeitamente desprotegido prante a possibilidade de ser prejudicado por um conjunto variado de factores.
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Por tudo isto, e muito mais haveria a dizer numa leitura mais demorada do documento, acho que é dever de todos os docentes com orgulho de ainda o serem, intervirem e desmascararem a forma ínvia como todo este processo tem decorrido e vai culminar, sem que nenhuma parte activa tenha sido deixada aos próprios docentes na definição das condições do exercício da sua profissão.
P."
4 Comentários:
Acredito que a actual aprovação de documentos sobre regras de mobilidade na Função Pública, vai ser muito estudada no sentido de professores saltarem do ensino para qualquer repartição.
É que, sem progressão na carreira, condicionada da forma como estará, sempre é melhor estar num gabinete qualquer a fazer trabalho de manga de alpaca do que estar sujeito ao stress diário da docência. Este novo ECD constitui um instrumento de perseguição diária, de mal estar e conflitualidade quotidiana, um impedimento a uma escola plural, aberta, cultural.Quando, dentro de dois anos, os equiparados a titulares não quiserem assumir as direcções das escolas irão surgir as nomeações do ministério! O trabalhar por objectivos de ratio será então o dia-a-dia!Imagino já os constrangimentos, as lutas abertas entre grupos de influência, o aparecimento de côrtes de beneficiados, as ordens " obrigatoriamente para cumprir, senão...!". Vai surgir o medo, a denúncia, o "trabalho para casa" obrigatório para cumprir ditâmes. Pessoas serão "queimadas", outras serão estranhamente promovidas...
Acredito numa debandada geral da docência para outras funções públicas. Os novos professores em início de carreira ficarão para serem "carne para canhão"!
Resta esperar pela iniciativa privada, que irá florescer, iludindo os pais que ainda querem uma escola de qualidade para os filhos, mesmo com todos os sacrifícios que as novas oportunidades de crédito bancário irão explorar...
A médio prazo serão as próprias unidades escolares hoje públicas a serem vendidas em hasta pública para grupos privados dispostos a aí investirem. Dentro de seis anos os Professores serão um grupo profissional abúlico, domesticado, desqualificado e com fortes possibilidades de ser invado por estrangeiros com qualificações à procura de euros.Aliás, a actual proposta já favorece tal quanto às indefinições da nacionalidade...
É tarde, tb preciso de descansar, espero não ter sido cansativo para quem me tenha lido....
Obrigado
Tal como Zoltrix acho que é necessário que os professores sejam capazes de imaginar os cenários futuros possíveis em função de propostas de estatuto deste tipo. Acho o cenário do Zoltrix muito realista. É preciso ir para além do próprio umbigo.
É em grande parte por achar que estas propostas só piorarão a Educação em Portugal, além de prejudicarem gravemente a profissão docente, que eu acho que elas merecem uma reprovação global e medidas fortes de contestação.
Depois de traçado o diagnóstico, caros colegas, é melhor usarmos a nossa imaginação [e tempo] para aclararmos o documento junto dos colegas mais distraídos. ;)
Grande Henrique!!
Continuas um grande lutador como sempre. Parabéns....
da colega companheira de lutas.
Márcia
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