quarta-feira, novembro 01, 2006

Fisólofos. Sim eu disse fisólofos.

Em primeiro lugar quero dizer que não comprei o livro Eduquês... do Nuno Crato. Li-o mas não o comprei. Eu que gasto tanto dinheiro em livros e que já enfiei alguns barretes, este não enfiei. Mas por dever de ofício li-o. Literatura levezinha e demagógica, cuja desmontagem foi feita, em grande parte e de forma superior, num livro de Álvaro Gomes, recentemente saído e que foi tema dum recente post aqui no blogue.
Mas o senhor Nuno Crato, embalado pelo sucesso de vendas, resolveu, talvez convidado pelo dono da Gradiva, embarcar num outro projecto editorial, agora mais virado para o campo do ensino da Matemática. Desta vez estou a fazer o mesmo. Estou a lê-lo sem o comprar. Já li a introdução do Nuno Crato e um primeiro capítulo dum intitulado filósofo actual, inglês.
Do senhor Nuno, que além a introdução assina mais um ou dois capítulos, parece nada de novo surgir, a não ser o carpir do costume, as receitas do passado e as fórmulas já reditas. Mas agora encontrou um conjunto de colaboradores que corroboram as suas grandes ideias. Continua a bater na "pedagogia romântica" a que chama de dominante. Este senhor não sabe mesmo de nada do que se passa nas nossas salas de aula. Dominante! a pedagogia romântica nas nossas escolas? Deixem-me rir. O que é bem dominante ainda, para o bem e para o mal, é a pedagogia tradicional, até porque as condições de trabalho a induzem. Ou o senhor Nuno Crato pensa que o que manda nas nossas aulas são as teorias pedagógicas. Se eu não começasse a desconfiar já dum "realismo" de negócios editoriais diria: que "romântico" que este senhor está a ser.
Como disse vou ainda no segundo capítulo. Vou hoje comentar algumas "pequenas coisas".
O "filósofo" parece ter lido, pelo menos, um livro de cada um dos autores que critica. Do Rousseau leu o Emílio, do Dewey leu o Education and Democracy. Enfim, ganha ao Crato que parece que só conhece umas citações dos criticados e por interpostas pessoas. Mas uma coisa me deixou agoniado. Não é que o senhor referiu a sua indignação pela "acusação" de fraude com que foi "premiado" o psicólogo Sir Cyril Burt. "Acusação" essa difundida pelos "teóricos da educação", considerada como uma calúnia por este "filósofo". Que besta de ignorante é este que não sabe que o psicólogo Cyril Burt foi desmascarado, sem margem de dúvidas, pela comunidade científica, no que respeita aos seus "estudos" sobre a inteligência inata, com gémeos verdadeiros, pela fabricação de dados e até de colaboradoras que se verificou nunca terem existido. Eu estava habituado a ver nos filósofos actuais, designadamente aqueles que se debruçam sobre as questões da ciência, um grande conhecimento de base destas coisas que discutem. E este "filósofo" convocado pelo Crato, vem aqui dar um exemplo de ignorância desmedida, apelando parolamente à condição de Sir do psicólogo Burt.
Começa mal este livro. Mal digo eu. Provavelmente vai ser outro sucesso de vendas.
Para quem quiser aprofundar um pouco a questão da fraude do Sir aconselho dois bons livros:
"A falsa medida do homem"
de Stephen Jay Goud, da Editora Quasi - Recente
"Genética e Politica"
de R. C Lewontin, Steven Rose e Leon J. Kamin, Edições Europa-América. Já saiu há vários anos.
Quando ler mais uns capítulos talvez volte a falar do livro.

5 Comentários:

Blogger IC disse...

Tratava-se directamente do ensino da Matemática, senti-me obrigada a comprar para ler já que, pelo menos nesse campo específico, não devo ignorar escritos que tudo indica, logo à partida, que vão ser best-sellers. Ainda só li a introdução e três textos, mas, destes, comecei por um quase do fim, por sinal interessante - como serão sempre os artigos que se baseiam exclusivamente em saberes especializados dos respectivos autores sem que estes se ponham a extravazar para a mera
"opinionite". Depois, consegui ler quase até ao fim o primeiro, desse senhor que é filósofo e referes, e passei ao segundo - um comentário de David Justino em que este pelo menos revela o que o anterior não revela: conhecer, por exemplo, a obra do criticado (anteriormente) J. Dewey. De forma discreta (a meu ver), David Justino não deixa de pôr algumas coisas no seu lugar. Mas, suspeito que passarão um tanto despercebidas as duas questões com que termina o seu comentário - questões a que tem o bom senso de não avançar com respostas 'opiniantes'. Não foi, decerto, por acaso que o artigo do dito filósofo foi colocado como primeiro - conservador? pouco conhecedor daquilo sobre que escreve neste caso? ora... é um filósofo estrangeiro (o que logo abonará a seu favor) e quem o comenta é político e ex-ministro da Educação (o que logo à partida não abonará a favor da leitura atenta)

(Isto para os que vão ler à partida já 'enlevados' com o nome do autor-coordenador - claro que outros o lerão porque não devem deixar de tomar conhecimento, o estranho é que alguns desses, se injustamente visados ou ridicularizados, andem em silêncio e tenha sido preciso Álvaro Gomes dar-se ao trabalho de desmontar o 'valor' do livro anterior)

P.S. Desculpa, Henrique, este meu defeito de escrever comentários longos)

1:18 da manhã  
Blogger IC disse...

P.S. Nestas escritar escapam gralhas e erros, mas, já que reparei, corrijo: onde escrevi "extravazar" deve ler-se "extravasar".

1:48 da manhã  
Blogger henrique santos disse...

Isabel
penso que os comentários devem ter o tamanho que o comentador achar necessário. Quanto ao resto do livro que ainda não li, isso não tardará muito. A FNAC tem uns sofás confortáveis e o fim-de-semana aproxima-se.

11:29 da manhã  
Blogger «« disse...

Caro Henrique, Nuno Crato está enriquecendo com bacoradas bem ao género daquela personagem da TVI, o tal castelo Branco... mas olha que não é fácil ganhar dinheiro dessa forma, aí é preciso ter talento. faz favor de o dar, já agora convidá-lo para a proxima casa das vaidades...ele e mais meia duzia de políticos

9:28 da manhã  
Blogger SL disse...

Quando não se tem outros argumentos, lança-se o nome das pessoas à lama. A discussão crítica fica por fazer: o insulto soez é mais fácil e não provoca comichão na cabeça. Comparar o Nuno Crato ao Castelo-Branco é de uma indigência mental tão profunda que só nos pode despertar comiseração.

O Nuno Crato lançou um livrinho que denota um problema: é alguém que não pertence às Ciências da Educação a dissertar sobre ciências da Educação. Essa é a princial crítica que lhe deve ser dirigida. Posteriormente, atreveu-se a propor soluções; e aí colocou o pé em ramo verde, pois acabou por avançar com "soluções" que já foram testadas e, afinal, abandonadas. Tudo isso é criticável, evidentemente.

Mas há uma crítica ao Nuno Crato que ainda não vi ser feita: trata-se da desmontagem do diagnóstico do actual estado da educação. Não é verdade que as escolas têm problemas de indisciplina e violência? Não é verdade que se perdeu o respeito pelos professores? Não é verdade que as famílias não acompanham devidamente os seus filhos? Não é verdade que os jovens frequentam a escola e saem de lá sabendo demasiado pouco? Não é verdade que os "estudantes" não o são? Não é verdade que se introduziu uma cultura de facilitismo e relativismo? Não é verdade que perpassa na profissão docente um discurso desculpabilizador? Não é verdade que se perde um tempo excessivo com ninharias que não têm qualquer interesse? Não é verdade que se assiste a uma desvalorização progressiva, roçando o obsceno, dos conteúdos?

Essa crítica não está feita. Mas comprar o Nuno Crato ao Castelo Branco é mais fácil. Concerteza. Para que serve a cabeça senão para andar entre as orelhas?

4:41 da tarde  

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