"O sistema educativo morreu"
Não simplifiquemos nas respostas e, muito menos, nas perguntas. Os objectivos que a escola foi visando ter-se-ão centrado, genericamente, numa base instrumental, utilitária, sujeita a modos e a modas, cujo apogeu se terá atingido, recentemente, com a publicação de rankings. Não desejamos polemizar. Façamos tão só uma pergunta retórica: Não será obsceno colocar na grelha de partida um "2 CV" e um "Ferrari" e pretender seriá-los à chegada?
O sistema educativo morreu. Paz à sua alma. Coveiros ultraliberais foram-lhe anunciando o funeral. Vejamos o que nos reserva o sistema instrutivo que advogam. Aos "filhos de Rousseau", condenados por uma opinião publicada (que, porventura, nunca leu Rousseau) (a)parece contraposto o robot como modelo. Obviamente, essas vozes não o dizem, mas, ao escondê-lo, são ainda mais imorais.
Quem vaticinou isto? Foi, em primeiro lugar, a leviandade dos que pensaram que tudo se consegue sem esforço; foi, depois, a generosidade dos que só falavam em direitos, esquecendo os deveres; ora, de direito que a escola é, depressa passa a ser vista como obrigação e, mesmo, como pesadelo. Foram, depois, vozes apocalípticas pairando, negras, sob os céus educacionais; foram ameaças de hecatombe escurecendo, em vendaval de chumbo, os horizontes da sala de aula. Foram ácidas Cassandras da República chorando, inconsoláveis, a educação dos seus "filhos" e repetindo, dolentemente, toadas de carpideiras em transe; caladas agora, saboreiam os despojos...
Parece que só nos resta cantar hossanas às "irmãs máquinas". Elas não adoecem, não têm insónias, não sofrem de reumatismo; têm informação abundante, papagueiam respostas adesivas a perguntas insuportáveis, em programas insuportáveis, de inquiridores insuportáveis. Não resmugam, não espirram, não choram, não se comovem, não têm depressões, não param, não comem; são rigorosas, precisas, "inteligentes", produtivas; não mentem, não invejam, não (se) enganam... São os colaboradores ideais de que necessitava Ford quando exclamava: "Eu só precisava de braços e encontro-me com seres humanos!" Nunca me apeteceu dizer com tanta propriedade que "errar é um privilégio humano...".
In A AULA
Álvaro Gomes, Porto Editora
7 Comentários:
Exactamente o problema deste governo e muito especialmente desta ME: que raio fazem tantos seres humanos a interpor-se entre eles e as reformas (magnifícas !) que eles previram para os robôts do seu país?!
"Nesta visão da escola, ao professor-oleiro ou escultor corresponderia o aluno-vasilha ou contentor, numa espécie de "educação bancária". Este aluno não é. Este aluno serve para, porque da sua "capacidade" de absorção irá depender, em parte, a sua função social.
Como poderia tal escola não acabar, fatalmente, num ranking?..."
In A ESCOLA, Álvaro Gomes.
Pois é. A preocupação deste autor com a Educação é recorrente em todas as suas obras. Ainda bem que alguém dá por isso. Pelo meu lado, vou lendo e aprendendo...
Ao ler o título deste post tive, de repente, a consciência de que é isso que ando quase a sentir, a pensar (quase, porque acredito que o Sistema Educativo esteja apenas em coma e venha a recuperar, receio é que não a curto prazo). Sabes, Henrique, para quem foi professora durante 37 anos, começando antes de Abril, a situação presente está a parecer tão contrária a tudo o que acreditei e investi! E penso nos tantos professores que têm ainda bastantes anos para permanecerem nesse barco da educação-ensino desejando que tenham força para remar contra a maré e não afundarem com o barco.
P.S. Vou procurar Álvaro Gomes, autor que não conheço, só me foi revelado aqui.
Dizer que " está morto e enterrado" só que ainda não o sabemos, parece-me cinismo. É por isso que o não vou dizer....
Deixa-me tentar outra vez!
Enquanto há vida há esperança. Bááh! Qual vida qual esperança...
Os sindicatos estão é a levar muito tempo para agendarem já outras acções de luta!
Só está perdido o que se perde!
Ainda não se perdeu nada!!!!!!
Será que não se perdeu nada? Estou desanimada. Viram as últimas da reunião negocial de ontem? Eu já passo, em muitos dias, 10 a 12h na escola. Sei bem o estado em que de lá saio, e ainda venho para casa preparar actividades e corrigir trabalhos. É nas interrupções não lectivas que preparo o grosso das aulas e faço leituras de actualização e frequento formação. Agora querem 8h de aulas por dia (terão ideia?!) mais componente não lectiva?! E fim das interrupções lectivas para professores?! Luna-parque, claro. Só é possível numa escola cuja lógica deixou de ser a do ensino. E, mesmo assim, o sistema entrará em colapso. Tão certo...
Como te percebo, Soledade...!
A escola não existe para abastecer o mercado de trabalho. Os alunos não são matéria-prima nem mercadoria, são os destinatários do ensino. O que se aprende não serve só, nem principalmente, para trabalhar, mas sim para viver.
Creio que o autor deste blog e os comentadores deste post concordarão comigo quanto a estas três afirmações.
Mas provavelmente discordarão de mim nisto: a mercantilização da escola e do aluno, longe de ser contrária ao «pedagogicamente correcto», é a outra face da mesma moeda. E as críticas a essa ideologia feitas por Nuno Crato, Laurent Laforgue e outros, longe de servirem a referida mercantilização, têm as suas raízes numa visão humanista da escola.
Por mim, não vejo como é possível atacar as práticas da Ministra continuando a defender uma ideologia que serve essas práticas.
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