O Latim e o João
"Para ensinar o latim a João, todos sabem hoje que é indispensável conhecer o latim e o João. Mas mais ainda: é preciso saber porque é que se deseja que João aprenda latim, como é que a aprendizagem do latim o irá ajudar a situar-se no mundo de hoje - numa palavra, quais são os fins visados pela educação. E há pelo menos uma componente política em qualquer resposta que se pretenda dar."
Com estas palavras acabava Georges Snyders um livro editado em 1974, pela Almedina chamado Pedagogia Progressista.
Nele o autor aplicaria, tal como em vários que se lhe seguiram, um método dialéctico de análise de dois (ou mais) pontos de vista teórico-práticos, tentando acabar num momento de síntese final.
No caso deste livro pôs em confronto a Pedagogia Tradicional e a Pedagogia Nova. Ao contrário dos adeptos de cada uma destas posições que esgrimiam as suas certezas, caricaturando ou ridicularizando as posições dos adversários, Snyders partiu da sua caracterização séria, destrinçando aquilo que no seu parecer essas Pedagogias, de mais importante e interessante possuíam, não esquecendo as questões que no seu entender as tornavam frágeis ou momentaneamente incompletas.
Ao ler as posições expostas recentemente nos três blogs a que fiz publicidade, sobre o debate dito do Eduquês versus AntiEduquês relembrei-me desse livro e fui relê-lo. Em bom tempo o fiz.
Muitas das posições aparentemente exclusivas e irredutíveis que actualmente aparecem, foram já, trinta anos passados, tratados com uma acuidade e capacidade crítica de realçar, nesse texto.
Para já, fica aqui uma pálida interpretação da minha parte duma questão que me parece falsa nas discussões que actualmente se fazem.
Será que o Rigor, a Exigência, o Esforço contido no trabalho escolar que dá acesso às Alegrias do acesso finalizado aos Modelos das grandes obras da Cultura, que era na altura o que de mais positivo via Snyders na Pedagogia Tradicional, são incompatíveis com os cuidados com as Alegrias do presente, o cuidado com os Interesses imediatos, a Liberdade e a Iniciativa das crianças, que são aspectos também considerados positivos pelo autor nas Pedagogias Novas?
E será que, como aponta o autor, os aspectos negativos da Pedagogia Tradicional, como o enfado criado pelo adiar para um futuro por vezes distante as razões de ser dos exercícios e esforços feitos por si mesmos, não são de rejeitar; assim como as esperanças infundadas das Pedagogias Novas de ver no interior da criança capacidade de aceder a voos culturais altos sem uma intervenção fundamental dos educadores, enredados e satisfeitos com o jogo pelo jogo?
Entretanto, desde que o livro foi escrito, o mundo mudou imenso. Algumas das análises de Snyders se bem que importantes, estão hoje irremediavelmente, datadas.
Sei que o pensamento dialéctico não está actualmente muito na moda. Nas questões ultimamente abordadas penso que em muito poderia esse método contribuir para fazer ultrapassar certas contradições, algumas das quais aparentes. E falta ainda realizar a síntese. Penso que é a questão do método aquilo que Snyders mais exemplarmente nos transmite à distância.
12 Comentários:
(Não sei porquê, hoje os meus comentários não entram à primeira, vou tentar reproduzir o que acabei de escrever)
Como subscrevo este post!
E permito-me dizer humildemente que sem a ajuda do pensamento dialéctico, não digo que já me tivesse suicidado pois tal ideia não faz o meu género, mas já teria decerto desistido de pensar o que vou persistindo em pensar e andaria quase decerteza a tomar antidepressivos para agentar ideias de fatalismos e desesperança que teria.
(Claro que isto vai bastante para lá do domínio de evoluções/processos no âmbito das pedagogias e das políticas educativas, mas também me é indispensável como professora)
P.S. Já agora, explicito: fica mais claro, em vez de dizer pensamento diléctico, dizer que vejo sempre os processos evolutivos numa perspectiva dialéctica, e se não visse assim cruzava os braços por desesperança.
Eu considero que o Rigor, a Exigência e o Esforço são incompatíveis com o cuidado com os Interesses imediatos, a Liberdade e a Iniciativa das crianças.
Não tenho qualquer tipo de dúvida em relação a esta matéria. O aluno tem que perceber desde muito novo que nada se consegue sem esforço, rigor e exigência. Quando se mistura tudo, o aluno fica sem balizas, objectivos e metas, ficando completamente perdido!!
Colega anti-eduquês
possivelmente eu não terei sido capaz de mostrar a subtiliza da análise que George Snyders fez das duas Pedagogias. Valeria a pena, caso o colega não tenha lido o livro referido, o fazer. No que concerne à Pedagogia Tradicional, Snyders vê nela valores muito importantes, tantas vezes esquecidos ou caricaturados pelos adeptos da Educação Nova, mas não se esquece das suas limitações.
Noutros livros que li do autor, ficou-me uma ideia extremamente interessante: ele é um defensor das Alegrias grandes e valiosas que só o contacto com as Obras grandes da Cultura, da Ciência e da Arte pode proporcionar. Só que, já nesse tempo via que muito do público escolar, para aceder e retirar do contacto com essas Obras todo o seu valor, teria de fazer um percurso longo. Um percurso em que ele, como democrata, não queria deixar ninguém para trás. Aquilo que tinha sido quase sempre uma coutada de elites, Snyders achava fundamental alargar a todos os estudantes. Só que não esquecia os pontos de partida dos alunos, as culturas dos meios em que eles eram provenientes. E queria estabelecer pontes. Das pequenas alegrias que os alunos, espontaneamente, retiravam por exemplo de alguma banda desenhada banal, GS queria estabelecer uma escadaria viável que os fizesse aceder à apreciação das obras primas da pintura.
Mas como disse, eu tenho pouco jeito para divulgar a riqueza que encontrei nesse autor que recomendo.
O trabalho escolar é muito importante para se alcançarem resultados importantes na educação.
Mas o gosto pelo trabalho não me parece conseguir-se com a repetição árida de exercícios. Trabalhar por gosto não cansa, mas é preciso criar esse gosto, coisa que muitos educadores, eu por exemplo, por vezes esqueço.
Caro Henrique o teu texto é muito bom e o entendimento do livro não é diferente do meu que o fiz acerca de 20 anos, quando entrei para a faculdade, como uma leitura de referência. Felizmente, numa Universidade regional, os professores esforçam-se para dar água oriunda de muitos bebdores...essa foi das que mais motivou e provavelmente, começou a minha inflexão, pois até aí o meu objectivo era tirar a licenciatura para ser treinador...passei a olhar para a escola com outros olhos....agora como já disse a um colega hoje na escola: o pior cego é aquele que não quer ver.
Quem interpretar no texto que escrveste ou no livro que referenciaste a apologia da falta de rigor é que não o entendeu.
A ideia que fiquei depois de ler o comentário do anti-eduquês é que ele crê que os valores - esforço, rigor e exigência são incompatíveis com um outro - o prazer.
Os exemplos oriundos do universo desportivo são tantos que estarei dispensado de os referir... ou não?
Miguel Sousa
depois de ter lido todos os outros livros desse autor andei anos até poder encontrar e ler esse que penso ter sido um dos primeiros.
Realmente é um autor de referência mas de difícil leitura pois não faz concessões ao rigor da análise.
Miguel Pinto
Fazes-me lembrar a questão da dicotomia entre o Princípio da Realidade e o Princípio do Prazer que muitos, incluíndo Freud, seu substancial teorizador, dicotomicamente confrontaram Outros entretanto viram na sua síntese dialéctica uma possibilidade interessante.
Snyders, talvez para fugir ao lastro pesado de certas palavras, teorizou a Alegria na educação. Alegria que aparecia neste livro e explicitamente no seu último, se não estou errado: as Alegrias na Escola.
Henrique, esse é um grande senão de muitos dos (esses sim) teóricos da educação, de facto essa gente acaba por se distanciar da realidade e quem anda na escola sabe que a teoria serve de base, mas tem que ser moldada com o bom senso do professor, daí advém o nível de aceitação por parte aluno da matéra a aprender. O ambiente positivo como propicia um clima afectivo fundamental para o sucesso do aluno. Claro está e não entendo porque se caiu nisso, que o jogo pelo jogo não leva a lugar nenhum, mas o jogo orientado é facilitador da aprednizagem é..aliás só não vê quem não quer...e como costumo dizer o maior cego é aquele que não quer ver.
Voltando à regidez, quando li Delfim dos Santos e Leonardo Coimbra, ambos também e apesar da sua tendência humanista demonstravam alguma rigidez de pensamento...
Miguel Sousa
pelo contrário, o Rui Grácio, um pupilo do Delfim Santos, talvez pela amplitude maior das suas referências teóricas e práticas, atingiu uma flexibilidade e fineza de pensamento pedagógico que ainda não vi ultrapassada em nenhum contemporâneo português do século XX.
Tenho no entanto consciência das minhas limitações. Se alguém me apontar outras referências tenho todo o gosto em as ler.
Pois, concordo contigo, mas como disseste e bem é pupilo, e ser seguidor de alguém implica interpretar com as suas crenças e dar cunho pessoal à teoria de base. Na minha humilde opinião, Delfim dos Santos mas uma defesa intransigente ds valores na escola, coloca a criança no centro de forma categórica. Não estou criticando essa inflexibilidade, bem pelo contrário.... A mesma coisa se passa com Agostinho da Silva quando nos pede para duvidar de nós próprios ( nos seus "ensaios" sobre o erro, e nas suas cartas com um jovem filósofo)
Um pouco atrasado... mas deixo aqui a sugestão, de um trabalho meu sobre a obra de Snyders, que creio possa ser interessante, apresentada em reunião da Anped:
http://www.educacaoonline.pro.br/art_georges_snyders.asp?f_id_artigo=53
Atenciosamente,
Roberto Muniz
Logosphera.com
Classics Community & Education
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O curso começará no dia 10 de março.
A nova página de divulgação do curso se encontra no link
http://www.logosphera.com/courses/news/latim1/2008.htm
Qualquer dúvida, escreva para info@logosphera.com
Atenciosamente,
Logosphera.com
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