"Os falsos privilegiados e os verdadeiros ricos"
Praticando um princípio pessoal que é o de dar voz, - aqui neste blog,- sobre um assunto, aos que se expressam melhor do que eu, aqui vai um texto de 2002 pleno de actualidade e de excelência.
"Estão bem na vida. Têm um emprego seguro, são mais bem remunerados que no sector privado, têm uma reforma melhor, trabalham devagarinho, pagam-lhes os dias de greve… Há vinte anos que, das páginas da revista Capital às do Nouvel Observateur, do talk show à primeira página do Figaro, uma campanha de condicionamento tenta fazer-nos acreditar que os funcionários públicos seriam uns privilegiados. Publicado em 1982, o grande best-seller de François de Closets, Toujours plus! (Cada vez mais!), tinha já alimentado esse género de temática. Nessa época, por reverência ou cegueira, nenhum comentador citou, da obra, esta frase de antologia, misto de estupidez e de cinismo: “Podemos bem passar sem jornalistas, sem médicos, sem professores, sem funcionários, sem quadros e sem engenheiros, mas não sem criadores de empresas. Enquanto a França apostar na economia de mercado, deverá fazer tudo para favorecer os candidatos à fortuna capitalista. E tanto melhor se eles arrecadarem grandes lucros. A audácia tem de ser compensada”1
Ao mesmo tempo que se põe em causa, há já muito tempo, a função pública, o seu “arcaísmo” e os seus “privilégios”, relativamente às acumulações de cargos altamente lucrativas que levam a uma gigantesca concentração de poderes (e de salários de administrador) em proveito de umas dezenas de “capitães” da finança e da indústria faz-se um silêncio que só tem a ver com pudor – e nada com informação...
Embora retomando certos temas e aproveitando-se deles (o funcionário descansado, absentista, inútil) da velha crítica courtelinesca dos burocratas do século XIX2, o discurso dominante distingue-se dela, de forma radical, em vários pontos.
Por um lado, as posições de poder dos artesãos da empresa (altos funcionários, grandes patrões, jornalistas) conferem à crítica uma legitimidade, pelo menos aparente, bem maior que no século passado. É a elite “séria”, “realista” e “informada” que fala e dirige a conversa. Por outro lado, a utilização dos modernos meios de comunicação assegura uma difusão da mensagem e uma modelagem das consciências de uma eficácia sem precedentes. Por fim, e é isto o mais importante, o tom e os objectivos mudaram. Onde um Courteline escarnecia com um sentido do cómico e um talento evidentes os Senhores mangas de alpaca sem daí tirar verdadeiras conclusões políticas, o discurso que aparece nos anos 80 não tem em nada o sentido da brincadeira e faz parte de uma propaganda agressiva e politicamente muito orientada. Lançando mão de todo o tipo de processos (apresentação tendenciosa de dados estatísticos, amálgamas, simplismos, mentiras), trata-se de fazer dos funcionários verdadeiros bodes expiatórios ao serviço dos objectivos neoliberais: reduzir os orçamentos públicos, privatizar, tornar o emprego precário, pôr em causa as pensões de reforma, etc.
É necessário descrever as principais funções deste discurso repetitivo, essenciais ao estabelecimento da sociedade de mercado, tanto do ponto de vista dos mecanismos de condicionamento da opinião como nos seus efeitos reais sobre o Estado, as políticas públicas ou o movimento social.
Trata-se, antes de mais, de fazer funcionar ao mais baixo custo possível os serviços públicos e facilitar assim, a mais ou menos longo prazo, a sua privatização. Ao apresentar, o mais das vezes sem a menor deontologia, a evolução comparada do salário médio nos sectores público e privado, ao repisar incessantemente que, “nesta partida”, são os funcionários públicos que “ganham”3, os média não contribuíram apenas para atiçar a inveja dos assalariados do sector privado. Eles refrearam também grandemente as reivindicações salariais na função pública. Isto é tão certo que, no decorrer das duas últimas décadas, a percentagem do PIB das despesas com a função pública do Estado, ou seja, a fracção de riquezas que a França dedica a conservar os seus funcionários de Estado, diminuiu de 10,5 para 8,5 por cento. O que significa que eles custam à nação, proporcionalmente à sua riqueza, 20 por cento menos no ano de 2000 do que em 1980. É inútil acrescentar que estes resultados, embora fáceis de consultar nos relatórios anuais do Ministério da Função Pública, nunca foram, eles próprios, motivo da mais pequena notícia…
Tem prevalecido uma lógica idêntica no domínio dos meios materiais e, mais ainda, dos efectivos. De tanto martelar que “são demasiados”, chegámos à situação inversa: não chegam. E isto em todos os sectores vitais. Justiça, polícia, saúde, educação, transportes, caixas de segurança social ou de abonos de família, inspecção do trabalho, prevenção dos riscos tecnológicos, é uma lista interminável a dos serviços públicos que sofrem de falta, mais ou menos dramática, de pessoal. Únicas excepções, dignas de nota: os privilegiados das altas esferas do Estado, o Eliseu, Matignon, os gabinetes ministeriais. O que não deixa de ter o seu quê de picante e se revela, de facto, comparável à situação que ocorre nos grandes grupos privados. Quanto mais a coisa “engorda” em cima, nas equipas de direcção, mais “emagrece” em baixo, aos níveis intermédios e inferiores da empresa.
Há vinte anos que se assiste a uma política deliberada de penúria que faz cada vez mais com que o funcionamento dos serviços públicos assente na boa vontade dos assalariados. Como a procura por parte da população não pára de aumentar e de se diversificar, estes ficam entre a espada do rigor financeiro e a parede das necessidades, urgentes ou novas. Apanhados na armadilha pelo seu sentido do dever e da solidariedade, vão consentindo um pouco por toda a parte em deixar-se sobrecarregar com trabalho, levado a cabo em condições cada vez mais difíceis, perigosas, insatisfatórias. Ao mesmo tempo que cria descontentamento entre os utentes e prepara assim o terreno para as privatizações, esta situação provoca conflitos sociais repetidos aos quais se responde geralmente com discursos enganadores sobre a restruturação dos efectivos – como se essa restruturação pudesse ainda fazer face ao problema – ou planos de criação de emprego insuficientes, mas muito bem explorados no plano mediático.
Sobretudo, não se deve acreditar que esta política está a ser abandonada. Bons alunos das imposições dos mercados financeiros, signatários do pacto de estabilidade orçamental europeu ou prontos a discutir privatizações no âmbito do Acordo Geral sobre o Comércio dos Serviços (AGCS) na Organização Mundial do Comércio (OMC), os nossos governantes apostam agora na aceleração da passagem à reforma para conseguir o despedimento dos efectivos públicos que não conseguiram obter através de um ataque frontal, como noutros países. Aposta explícita e a curto ou médio prazo no campo dos ultraliberais e dos liberais, hipocritamente negada e a mais longo prazo entre os social-liberais.
Um outro objectivo, fundamental, dessa repetição constante do mesmo discurso é restringir ou privatizar os direitos ligados à condição salarial. Neste espírito, qualquer direito, do mais pequeno ao mais fundamental, é qualificado como “regalia”, como “privilégio”. Este golpe de força das palavras e este fantástico empreendimento de culpabilização não se destinam só, claro está, aos agentes do sector público. Visam o conjunto dos assalariados.
Assim, começa-se geralmente, nos inúmeros dossiers que a imprensa dedica aos “privilégios dos funcionários públicos”, por atacar o célebre emaranhado dos prémios e ajudas de custo públicos. Para aí encontrar um saquito de carvão dos mineiros, ajudas de custo para sapatos dos carteiros, um subsídio de manutenção do material para os empregados dos cemitérios ou de esgotos para os assessores de Estado. Fácil de fazer, sempre engraçado por causa dos vários absurdos que esse emaranhado lá tem dentro, este primeiro florilégio pretende de facto “aquecer” o leitor, prepará-lo para outras descobertas, supostamente mais sérias. À semelhança das viagens gratuitas para o pessoal da SNCF (Sociedade Nacional dos Caminhos de Ferros franceses), dos descontos consentidos no preço da electricidade ou do telefone à EDF (Electricidade de França) e à France Télécom, ou das colónias de férias subsidiadas pelas comissões de empresa das companhias públicas mas também privadas. Quando se chega aqui, torna-se então possível atacar as conquistas sociais mais preciosas. As pensões de reforma, para começar, a propósito das quais já ninguém ignora as soluções “justas”, “realistas” e “modernas”: há que nivelar por baixo, fazendo descer o sector público ao nível do sector privado, e entregá-las, por meio dos fundos de pensão, aos apetites do capitalismo e às flutuações da Bolsa. A estabilidade do emprego, a seguir. Garantia para toda a vida do funcionário público e protecção relativa do contrato de duração indeterminada no sector privado constituiriam “privilégios”, “direitos adquiridos” de outro tempo. O “normal”, o “competitivo” seria agora, quer o queiramos quer não, a precaridade e a insegurança do emprego.
Se, por enquanto, todos os outros direitos resistiram relativamente bem, é, infelizmente, necessário constatar que com a estabilidade do emprego não se passou a mesma coisa. O emprego precário tem crescido em proporções consideráveis no sector privado, mas aumentou também muito na função pública. A tal ponto que perto de 25 por cento dos assalariados do sector público (1,3 milhões em 5,5 milhões) estão a contrato ou são precários. Ao mesmo tempo que se ia dando esta erosão, viu-se desaparecer do centro do debate intelectual ou social sobre o trabalho qualquer referência positiva à estabilidade do emprego. Como se, no fundo, fosse uma coisa “fora de moda”…
A tentativa de divisão
Ora, quem é que não conhece as vantagens da estabilidade do emprego? Condição indispensável, se bem que não suficiente, da liberdade de expressão, no trabalho como fora dele, é essa estabilidade que permite, acompanhada de um salário decente, ter uma vida confortável, aberta ao futuro, feita de projectos para si próprio ou para os que lhe são próximos. Projectos que são benéficos para a economia e para a sociedade e evitam que esta se transforme num campo de desconfianças, de frustrações, de violências. Nada opõe, contrariamente ao que se ouve dizer muitas vezes, a estabilidade de emprego e esse outro valor, muito apreciado, que é a diversidade. Muito pelo contrário, é muitas vezes quando temos a garantia da estabilidade que podemos serenamente pensar “noutra coisa”, quer se trate de inovar no local de trabalho, de se lançar numa actividade “paralela” ou de se divertir. Em suma, tal como as reformas, a estabilidade do emprego não é apenas uma conquista social pela qual se bateram gerações e gerações. É um valor da civilização, que faz com que a vida e a sociedade sejam realmente humanas e possam ser vividas.
Terceira função: dividir a população, a fim de impedir a formação de um movimento social amplo e unitário. Das comparações incessantes das condições dos assalariados do sector público e do sector privado à lengalenga dos “utentes-reféns”, dos sindicatos de funcionários públicos “grevicultores” ao “indispensável serviço mínimo”, tudo isso foi também bem martelado. Com resultados contraditórios. Por um lado, a ofensiva deu provas da sua eficácia e contribuiu, juntamente com vários outros factores, para a famosa atonia do movimento social durante os anos 80, que se pode ver na fortíssima baixa das greves no seio das empresas do sector privado e semipúblico. Enquanto que o número médio anual de dias não trabalhados se elevava, nesses sectores, a 3,5 milhões nos anos 70, não passou de 1,3 milhões na década seguinte4!
Por outro lado, a tentativa de divisão foi tão grosseira que, ao fim de um período de tempo afinal bastante curto, foi devolvida ao remetente sob a forma do “Todos juntos”. São testemunhas disso o apoio popular ao movimento de 1995, as manifestações unitárias de 2001 sobre as pensões de reforma, ou as frentes comuns “eleitos-funcionários-assalariados do sector privado-utentes” que se têm multiplicado nos últimos anos para defender o serviço público e o emprego. Por outras palavras, tudo o que irrita os ultraliberais, ou chega até a deixá-los cheios de rancor.
Último objectivo: evitar que sejam postos em causa os verdadeiros privilegiados das nossas sociedades. Sejam eles os jornalistas-estrelas que ganham fortunas com o seu trabalho de modelar a opinião, os altos funcionários dos “tachos da República” ou dos postos de direcção das instituições europeias e mundiais, os patrões dos grandes grupos com um ritmo de vida propriamente alucinante (salários extravagantes + salários de administração chorudos + todas as possibilidades de compra de acções em condições privilegiadas + grandes indemnizações de despedimento + reformas sumptuosas + benefícios em géneros superabundantes + evasão fiscal legal ou ilegal…), enfim, esses detentores de megafortunas, frequentadores habituais dos tops mundanos e das fundações-alibi.
O tratamento mediático revela-se singularmente menos agressivo em relação a esses ricos e ultra-ricos do que relativamente aos funcionários públicos. É verdade que se denuncia a sua presunção, as suas prebendas e os lucros fenomenais que têm na bolsa, ou que se põe em causa os mais corruptos de entre eles. Mas, ao mesmo tempo, através de retratos elogiosos do “gestor do ano” ou de reportagens televisivas sobre os seus hábitos de luxo, cultiva-se, acima de tudo, o fascínio da opinião pública pelo seu dinheiro e pelos seus privilégios. Cultiva-se igualmente o logro da transparência, sem outro efeito que não seja a própria transparência. Finalmente, sabe-se omitir, quando necessário, alguns dados particularmente embaraçosos.
É o caso das acumulações de cargos de direcção e de administração das grandes empresas. Regularmente abordado pela imprensa, quer de grande público, quer especializada, o assunto pode parecer já mais que remexido. Ora, não é nada disso que acontece, porque a apresentação jornalística nunca mostra a não ser a parte emersa do icebergue5.
Este trabalho de ocultação faz-se por diversos meios. Por um lado, os jornalistas limitam-se geralmente aos cargos de administrador, isto é, às pessoas físicas a quem se pediu que fizessem parte de um conselho, e evocam mais raramente outras posições como membro do conselho fiscal. Por outro lado, esquecem os cargos de representante permanente, quer dizer, as funções de administrador que um indivíduo ocupa num conselho como representante de uma pessoa moral (outra companhia). Por fim, não se referem os múltiplos cargos de presidente do conselho de administração, director ou gerente, mas unicamente o principal de entre eles. Por outras palavras, o que a imprensa nos dá é uma visão muito parcial e suavizada do fenómeno das acumulações de cargos no mundo económico e financeiro.
Compreendem-se facilmente as razões dessa mentira por omissão quando se lança mão daquilo que é, sem dúvida alguma, a bíblia sobre o assunto: o Dafsa dos Administradores, publicado todos os anos pela companhia do mesmo nome e facilmente consultável (por exemplo, na biblioteca do centro Georges Pompidou, em Paris). A partir deste grosso volume de quase mil páginas, elaborámos o quadro que nos dá, com base nos últimos dados disponíveis (2000) e através de uma amostra de 50 pessoas, uma mais justa e mais completa apreensão do fenómeno.
Os resultados estão para além da nossa compreensão. São 50 pessoas e acumulam 397 postos de direcção, 491 cargos de administrador, 208 cargos de representante permanente e 117 outras funções (conselhos fiscais, presidências de organismos diversos, etc.). Ou seja, no total, 1213 cargos e, em média, 24 por indivíduo!
Alguns, como os cinco primeiros do quadro, são de uma voracidade inaudita e acumulam de 59 a 40 funções, o mais das vezes no interior do seu grupo (Yves Carcelle, Patrick Ricard, Philippe Foriel-Destezet, Gérald de Roquemaurel), mas também fora dele. Neste ano de 2000, o quinto, Vincent Bolloré, não gostava, pelos vistos, de presidir apenas à Boloré, à Boloré Investimentos ou à Boloré Participações. E, por isso, a Fiat francesa, a Companhia dos Caminhos de Ferro e Eléctricos do Var e do Gard (Var e Gard: dois departamentos franceses), a Companhia dos Eléctricos de Rouen ou a Borrachas de Padang figuravam, entre outras, na sua lista de cargos de representante permanente. Para além disso, parecia não o assustar o facto de contar ainda, entre os seus 13 lugares de administrador, a Sociedade Financeira Luxemburguesa, a Companhia Nacional de Exploração dos Tabacos e Fósforos (SEITA) ou de ser assessor do Banco de França.
A continuação e o meio do quadro não são menos instrutivos. De facto, encontramos aí de tudo: herdeiros de dinastias políticas (Etiene Pflimlin, 38 cargos), industriais (Laurent Dassault-23, Arnaud Lagardère-21, Olivier Bouygues-19) e financeiras (Eric de Rothschild-28), “recém-chegados” da indústria do espectáculo (Michel Guillemot-38, Alain Weill-22) ou do desporto (André Crestey-29). Ou ainda mulheres que, embora destoando neste meio dominado pelos homens, não deixam de ter um apetite voraz: Brigite Gautier-Darcet, de Europe 1, (31) e Gilberte Lombard, do Crédito Comercial de França (28).
A permanênciados herdeiros
Ainda mais abaixo, pode observar-se a regra segundo a qual se pode acumular menos que os seus congéneres – mas muitíssimo, ainda assim – sendo, no entanto, muito mais célebre que eles. É o caso do lanterna vermelha, o “multicartões” Alain Minc, cujos dez feudos têm a marca da sua amizade de longa data com François Pinault e das suas afinidades mundanas: presidente da sua companhia AM Conseil, era então também presidente do conselho fiscal do Le Monde e da Sociedade dos Leitores do jornal, Administrador da FNAC, da Mk2, da Moulinex, da Valéo e da Vinci, membro do conselho fiscal de Pinault-Printemps-Redoute (grandes armazéns) e dos Perfumes Yves Saint Laurent. Como poderíamos esquecer Ernest Antoine Seillière que não hesitava em juntar à presidência do Movimento das Empresas de França (MEDEF) nada menos que dezasseis outras funções: presidente da Companhia Geral de Indústria e de Participações e da Marine-Wendel, vice-presidente da Cap Gemini, assessor do Banco de França, administrador da Eridiana Beghin-Say, da Gip, da Valéo, do banco Société Générale e da Companhia Lorrena de Participações Siderúrgicas, membro do conselho fiscal da Gras Savoye et Cie, da Hermès internacional, da Oranje-Nassau Groep e da Peugeot, representante permanente, por fim, na Stallergenes, na Bio-Mérieux Alliance, e, no Bureau Veritas, encarregado da classificação dos navios. E portanto, até 1998, da Erika…
Todos eles, enfim, longe de serem aqueles simples representantes da “excepção francesa” que a imprensa tanto gosta de descrever, revelam as dinâmicas actuais do capitalismo: internacionalização e proliferação das actividades no seio dos grandes grupos que contribuem para o aumento do número de companhias e, portanto, de cargos a distribuir, financeirização e dispersão cada vez maiores dos grupos de accionistas, que contribui igualmente para essa situação, interpenetração do capital público e privado por intermédio de participações cruzadas, etc. Mas revelam também o que não muda. Pela presença, como vimos, de muitos herdeiros ou por uma concentração do poder em, no fim de contas, muito poucas mãos: para passar da amostra representativa à realidade, bastaria multiplicar os nomes por quatro ou cinco, se tanto…
O que permitiria, definitivamente, fazer a todos estes ultraprivilegiados algumas perguntas indelicadas mas essenciais. Têm a certeza que, a acumular cargos dessa maneira, estão a respeitar a lei das empresas? Como fazem para assumir no dia-a-dia as diversas funções relacionadas com cada um dos vosso cargos? E quanto dinheiro é que ganham no total? Só para continuar o trabalho de transparência e para dispor de dados que se possam usar para a instauração de um plafond de rendimento. Já há um Rendimento Mínimo de Inserção (RMI). Para quando um rendimento máximo de solidariedade (RMS)?
* Sociólogo, investigador noInstitut National de la Recherche Agronomique (INRA, Instituto Nacional da Investigação Agronómica).Autor de, nomeadamente,Eloge des fonctionnaires.Pour en finir avec le grand matraquage (Calmann-Lévy, Paris, 2001).
1 François de Closets, Toujours plus, Grasset, Paris, 1982, p. 130.
2 Cf. Courteline, Messieurs les ronds-de-cuir, Garnier-Flammarion, Paris, 1996.
3 Na realidade, os resultados são dados a priori, uma vez que existe uma proporção de licenciados e de quadros mais forte no sector público que no sector privado. Mas são bem raros os órgãos de imprensa que têm o cuidado de o assinalar…
4 Estas médias foram calculadas a partir das estatísticas oficiais que figuram em Jean-Paul Juès, La grève en France, PUF, Paris, 1998, p. 117.
5 Assinalemos, todavia, duas excepções a esta regra: os números de 14 a 20 de Maio de 1998 do L’Evénement du Jeudi e de 1 a 7 de Junho de 1998 de Marianne, que aceitaram difundir, nessa altura, os dados publicados em Les Cumulards: la confiscation de l’argent, du pouvoir el de la parole, Stock, Paris, 1998.
Autor: PIERRE BITOUN
Data: Março 2002
In Le Monde Diplomatique"
"Estão bem na vida. Têm um emprego seguro, são mais bem remunerados que no sector privado, têm uma reforma melhor, trabalham devagarinho, pagam-lhes os dias de greve… Há vinte anos que, das páginas da revista Capital às do Nouvel Observateur, do talk show à primeira página do Figaro, uma campanha de condicionamento tenta fazer-nos acreditar que os funcionários públicos seriam uns privilegiados. Publicado em 1982, o grande best-seller de François de Closets, Toujours plus! (Cada vez mais!), tinha já alimentado esse género de temática. Nessa época, por reverência ou cegueira, nenhum comentador citou, da obra, esta frase de antologia, misto de estupidez e de cinismo: “Podemos bem passar sem jornalistas, sem médicos, sem professores, sem funcionários, sem quadros e sem engenheiros, mas não sem criadores de empresas. Enquanto a França apostar na economia de mercado, deverá fazer tudo para favorecer os candidatos à fortuna capitalista. E tanto melhor se eles arrecadarem grandes lucros. A audácia tem de ser compensada”1
Ao mesmo tempo que se põe em causa, há já muito tempo, a função pública, o seu “arcaísmo” e os seus “privilégios”, relativamente às acumulações de cargos altamente lucrativas que levam a uma gigantesca concentração de poderes (e de salários de administrador) em proveito de umas dezenas de “capitães” da finança e da indústria faz-se um silêncio que só tem a ver com pudor – e nada com informação...
Embora retomando certos temas e aproveitando-se deles (o funcionário descansado, absentista, inútil) da velha crítica courtelinesca dos burocratas do século XIX2, o discurso dominante distingue-se dela, de forma radical, em vários pontos.
Por um lado, as posições de poder dos artesãos da empresa (altos funcionários, grandes patrões, jornalistas) conferem à crítica uma legitimidade, pelo menos aparente, bem maior que no século passado. É a elite “séria”, “realista” e “informada” que fala e dirige a conversa. Por outro lado, a utilização dos modernos meios de comunicação assegura uma difusão da mensagem e uma modelagem das consciências de uma eficácia sem precedentes. Por fim, e é isto o mais importante, o tom e os objectivos mudaram. Onde um Courteline escarnecia com um sentido do cómico e um talento evidentes os Senhores mangas de alpaca sem daí tirar verdadeiras conclusões políticas, o discurso que aparece nos anos 80 não tem em nada o sentido da brincadeira e faz parte de uma propaganda agressiva e politicamente muito orientada. Lançando mão de todo o tipo de processos (apresentação tendenciosa de dados estatísticos, amálgamas, simplismos, mentiras), trata-se de fazer dos funcionários verdadeiros bodes expiatórios ao serviço dos objectivos neoliberais: reduzir os orçamentos públicos, privatizar, tornar o emprego precário, pôr em causa as pensões de reforma, etc.
É necessário descrever as principais funções deste discurso repetitivo, essenciais ao estabelecimento da sociedade de mercado, tanto do ponto de vista dos mecanismos de condicionamento da opinião como nos seus efeitos reais sobre o Estado, as políticas públicas ou o movimento social.
Trata-se, antes de mais, de fazer funcionar ao mais baixo custo possível os serviços públicos e facilitar assim, a mais ou menos longo prazo, a sua privatização. Ao apresentar, o mais das vezes sem a menor deontologia, a evolução comparada do salário médio nos sectores público e privado, ao repisar incessantemente que, “nesta partida”, são os funcionários públicos que “ganham”3, os média não contribuíram apenas para atiçar a inveja dos assalariados do sector privado. Eles refrearam também grandemente as reivindicações salariais na função pública. Isto é tão certo que, no decorrer das duas últimas décadas, a percentagem do PIB das despesas com a função pública do Estado, ou seja, a fracção de riquezas que a França dedica a conservar os seus funcionários de Estado, diminuiu de 10,5 para 8,5 por cento. O que significa que eles custam à nação, proporcionalmente à sua riqueza, 20 por cento menos no ano de 2000 do que em 1980. É inútil acrescentar que estes resultados, embora fáceis de consultar nos relatórios anuais do Ministério da Função Pública, nunca foram, eles próprios, motivo da mais pequena notícia…
Tem prevalecido uma lógica idêntica no domínio dos meios materiais e, mais ainda, dos efectivos. De tanto martelar que “são demasiados”, chegámos à situação inversa: não chegam. E isto em todos os sectores vitais. Justiça, polícia, saúde, educação, transportes, caixas de segurança social ou de abonos de família, inspecção do trabalho, prevenção dos riscos tecnológicos, é uma lista interminável a dos serviços públicos que sofrem de falta, mais ou menos dramática, de pessoal. Únicas excepções, dignas de nota: os privilegiados das altas esferas do Estado, o Eliseu, Matignon, os gabinetes ministeriais. O que não deixa de ter o seu quê de picante e se revela, de facto, comparável à situação que ocorre nos grandes grupos privados. Quanto mais a coisa “engorda” em cima, nas equipas de direcção, mais “emagrece” em baixo, aos níveis intermédios e inferiores da empresa.
Há vinte anos que se assiste a uma política deliberada de penúria que faz cada vez mais com que o funcionamento dos serviços públicos assente na boa vontade dos assalariados. Como a procura por parte da população não pára de aumentar e de se diversificar, estes ficam entre a espada do rigor financeiro e a parede das necessidades, urgentes ou novas. Apanhados na armadilha pelo seu sentido do dever e da solidariedade, vão consentindo um pouco por toda a parte em deixar-se sobrecarregar com trabalho, levado a cabo em condições cada vez mais difíceis, perigosas, insatisfatórias. Ao mesmo tempo que cria descontentamento entre os utentes e prepara assim o terreno para as privatizações, esta situação provoca conflitos sociais repetidos aos quais se responde geralmente com discursos enganadores sobre a restruturação dos efectivos – como se essa restruturação pudesse ainda fazer face ao problema – ou planos de criação de emprego insuficientes, mas muito bem explorados no plano mediático.
Sobretudo, não se deve acreditar que esta política está a ser abandonada. Bons alunos das imposições dos mercados financeiros, signatários do pacto de estabilidade orçamental europeu ou prontos a discutir privatizações no âmbito do Acordo Geral sobre o Comércio dos Serviços (AGCS) na Organização Mundial do Comércio (OMC), os nossos governantes apostam agora na aceleração da passagem à reforma para conseguir o despedimento dos efectivos públicos que não conseguiram obter através de um ataque frontal, como noutros países. Aposta explícita e a curto ou médio prazo no campo dos ultraliberais e dos liberais, hipocritamente negada e a mais longo prazo entre os social-liberais.
Um outro objectivo, fundamental, dessa repetição constante do mesmo discurso é restringir ou privatizar os direitos ligados à condição salarial. Neste espírito, qualquer direito, do mais pequeno ao mais fundamental, é qualificado como “regalia”, como “privilégio”. Este golpe de força das palavras e este fantástico empreendimento de culpabilização não se destinam só, claro está, aos agentes do sector público. Visam o conjunto dos assalariados.
Assim, começa-se geralmente, nos inúmeros dossiers que a imprensa dedica aos “privilégios dos funcionários públicos”, por atacar o célebre emaranhado dos prémios e ajudas de custo públicos. Para aí encontrar um saquito de carvão dos mineiros, ajudas de custo para sapatos dos carteiros, um subsídio de manutenção do material para os empregados dos cemitérios ou de esgotos para os assessores de Estado. Fácil de fazer, sempre engraçado por causa dos vários absurdos que esse emaranhado lá tem dentro, este primeiro florilégio pretende de facto “aquecer” o leitor, prepará-lo para outras descobertas, supostamente mais sérias. À semelhança das viagens gratuitas para o pessoal da SNCF (Sociedade Nacional dos Caminhos de Ferros franceses), dos descontos consentidos no preço da electricidade ou do telefone à EDF (Electricidade de França) e à France Télécom, ou das colónias de férias subsidiadas pelas comissões de empresa das companhias públicas mas também privadas. Quando se chega aqui, torna-se então possível atacar as conquistas sociais mais preciosas. As pensões de reforma, para começar, a propósito das quais já ninguém ignora as soluções “justas”, “realistas” e “modernas”: há que nivelar por baixo, fazendo descer o sector público ao nível do sector privado, e entregá-las, por meio dos fundos de pensão, aos apetites do capitalismo e às flutuações da Bolsa. A estabilidade do emprego, a seguir. Garantia para toda a vida do funcionário público e protecção relativa do contrato de duração indeterminada no sector privado constituiriam “privilégios”, “direitos adquiridos” de outro tempo. O “normal”, o “competitivo” seria agora, quer o queiramos quer não, a precaridade e a insegurança do emprego.
Se, por enquanto, todos os outros direitos resistiram relativamente bem, é, infelizmente, necessário constatar que com a estabilidade do emprego não se passou a mesma coisa. O emprego precário tem crescido em proporções consideráveis no sector privado, mas aumentou também muito na função pública. A tal ponto que perto de 25 por cento dos assalariados do sector público (1,3 milhões em 5,5 milhões) estão a contrato ou são precários. Ao mesmo tempo que se ia dando esta erosão, viu-se desaparecer do centro do debate intelectual ou social sobre o trabalho qualquer referência positiva à estabilidade do emprego. Como se, no fundo, fosse uma coisa “fora de moda”…
A tentativa de divisão
Ora, quem é que não conhece as vantagens da estabilidade do emprego? Condição indispensável, se bem que não suficiente, da liberdade de expressão, no trabalho como fora dele, é essa estabilidade que permite, acompanhada de um salário decente, ter uma vida confortável, aberta ao futuro, feita de projectos para si próprio ou para os que lhe são próximos. Projectos que são benéficos para a economia e para a sociedade e evitam que esta se transforme num campo de desconfianças, de frustrações, de violências. Nada opõe, contrariamente ao que se ouve dizer muitas vezes, a estabilidade de emprego e esse outro valor, muito apreciado, que é a diversidade. Muito pelo contrário, é muitas vezes quando temos a garantia da estabilidade que podemos serenamente pensar “noutra coisa”, quer se trate de inovar no local de trabalho, de se lançar numa actividade “paralela” ou de se divertir. Em suma, tal como as reformas, a estabilidade do emprego não é apenas uma conquista social pela qual se bateram gerações e gerações. É um valor da civilização, que faz com que a vida e a sociedade sejam realmente humanas e possam ser vividas.
Terceira função: dividir a população, a fim de impedir a formação de um movimento social amplo e unitário. Das comparações incessantes das condições dos assalariados do sector público e do sector privado à lengalenga dos “utentes-reféns”, dos sindicatos de funcionários públicos “grevicultores” ao “indispensável serviço mínimo”, tudo isso foi também bem martelado. Com resultados contraditórios. Por um lado, a ofensiva deu provas da sua eficácia e contribuiu, juntamente com vários outros factores, para a famosa atonia do movimento social durante os anos 80, que se pode ver na fortíssima baixa das greves no seio das empresas do sector privado e semipúblico. Enquanto que o número médio anual de dias não trabalhados se elevava, nesses sectores, a 3,5 milhões nos anos 70, não passou de 1,3 milhões na década seguinte4!
Por outro lado, a tentativa de divisão foi tão grosseira que, ao fim de um período de tempo afinal bastante curto, foi devolvida ao remetente sob a forma do “Todos juntos”. São testemunhas disso o apoio popular ao movimento de 1995, as manifestações unitárias de 2001 sobre as pensões de reforma, ou as frentes comuns “eleitos-funcionários-assalariados do sector privado-utentes” que se têm multiplicado nos últimos anos para defender o serviço público e o emprego. Por outras palavras, tudo o que irrita os ultraliberais, ou chega até a deixá-los cheios de rancor.
Último objectivo: evitar que sejam postos em causa os verdadeiros privilegiados das nossas sociedades. Sejam eles os jornalistas-estrelas que ganham fortunas com o seu trabalho de modelar a opinião, os altos funcionários dos “tachos da República” ou dos postos de direcção das instituições europeias e mundiais, os patrões dos grandes grupos com um ritmo de vida propriamente alucinante (salários extravagantes + salários de administração chorudos + todas as possibilidades de compra de acções em condições privilegiadas + grandes indemnizações de despedimento + reformas sumptuosas + benefícios em géneros superabundantes + evasão fiscal legal ou ilegal…), enfim, esses detentores de megafortunas, frequentadores habituais dos tops mundanos e das fundações-alibi.
O tratamento mediático revela-se singularmente menos agressivo em relação a esses ricos e ultra-ricos do que relativamente aos funcionários públicos. É verdade que se denuncia a sua presunção, as suas prebendas e os lucros fenomenais que têm na bolsa, ou que se põe em causa os mais corruptos de entre eles. Mas, ao mesmo tempo, através de retratos elogiosos do “gestor do ano” ou de reportagens televisivas sobre os seus hábitos de luxo, cultiva-se, acima de tudo, o fascínio da opinião pública pelo seu dinheiro e pelos seus privilégios. Cultiva-se igualmente o logro da transparência, sem outro efeito que não seja a própria transparência. Finalmente, sabe-se omitir, quando necessário, alguns dados particularmente embaraçosos.
É o caso das acumulações de cargos de direcção e de administração das grandes empresas. Regularmente abordado pela imprensa, quer de grande público, quer especializada, o assunto pode parecer já mais que remexido. Ora, não é nada disso que acontece, porque a apresentação jornalística nunca mostra a não ser a parte emersa do icebergue5.
Este trabalho de ocultação faz-se por diversos meios. Por um lado, os jornalistas limitam-se geralmente aos cargos de administrador, isto é, às pessoas físicas a quem se pediu que fizessem parte de um conselho, e evocam mais raramente outras posições como membro do conselho fiscal. Por outro lado, esquecem os cargos de representante permanente, quer dizer, as funções de administrador que um indivíduo ocupa num conselho como representante de uma pessoa moral (outra companhia). Por fim, não se referem os múltiplos cargos de presidente do conselho de administração, director ou gerente, mas unicamente o principal de entre eles. Por outras palavras, o que a imprensa nos dá é uma visão muito parcial e suavizada do fenómeno das acumulações de cargos no mundo económico e financeiro.
Compreendem-se facilmente as razões dessa mentira por omissão quando se lança mão daquilo que é, sem dúvida alguma, a bíblia sobre o assunto: o Dafsa dos Administradores, publicado todos os anos pela companhia do mesmo nome e facilmente consultável (por exemplo, na biblioteca do centro Georges Pompidou, em Paris). A partir deste grosso volume de quase mil páginas, elaborámos o quadro que nos dá, com base nos últimos dados disponíveis (2000) e através de uma amostra de 50 pessoas, uma mais justa e mais completa apreensão do fenómeno.
Os resultados estão para além da nossa compreensão. São 50 pessoas e acumulam 397 postos de direcção, 491 cargos de administrador, 208 cargos de representante permanente e 117 outras funções (conselhos fiscais, presidências de organismos diversos, etc.). Ou seja, no total, 1213 cargos e, em média, 24 por indivíduo!
Alguns, como os cinco primeiros do quadro, são de uma voracidade inaudita e acumulam de 59 a 40 funções, o mais das vezes no interior do seu grupo (Yves Carcelle, Patrick Ricard, Philippe Foriel-Destezet, Gérald de Roquemaurel), mas também fora dele. Neste ano de 2000, o quinto, Vincent Bolloré, não gostava, pelos vistos, de presidir apenas à Boloré, à Boloré Investimentos ou à Boloré Participações. E, por isso, a Fiat francesa, a Companhia dos Caminhos de Ferro e Eléctricos do Var e do Gard (Var e Gard: dois departamentos franceses), a Companhia dos Eléctricos de Rouen ou a Borrachas de Padang figuravam, entre outras, na sua lista de cargos de representante permanente. Para além disso, parecia não o assustar o facto de contar ainda, entre os seus 13 lugares de administrador, a Sociedade Financeira Luxemburguesa, a Companhia Nacional de Exploração dos Tabacos e Fósforos (SEITA) ou de ser assessor do Banco de França.
A continuação e o meio do quadro não são menos instrutivos. De facto, encontramos aí de tudo: herdeiros de dinastias políticas (Etiene Pflimlin, 38 cargos), industriais (Laurent Dassault-23, Arnaud Lagardère-21, Olivier Bouygues-19) e financeiras (Eric de Rothschild-28), “recém-chegados” da indústria do espectáculo (Michel Guillemot-38, Alain Weill-22) ou do desporto (André Crestey-29). Ou ainda mulheres que, embora destoando neste meio dominado pelos homens, não deixam de ter um apetite voraz: Brigite Gautier-Darcet, de Europe 1, (31) e Gilberte Lombard, do Crédito Comercial de França (28).
A permanênciados herdeiros
Ainda mais abaixo, pode observar-se a regra segundo a qual se pode acumular menos que os seus congéneres – mas muitíssimo, ainda assim – sendo, no entanto, muito mais célebre que eles. É o caso do lanterna vermelha, o “multicartões” Alain Minc, cujos dez feudos têm a marca da sua amizade de longa data com François Pinault e das suas afinidades mundanas: presidente da sua companhia AM Conseil, era então também presidente do conselho fiscal do Le Monde e da Sociedade dos Leitores do jornal, Administrador da FNAC, da Mk2, da Moulinex, da Valéo e da Vinci, membro do conselho fiscal de Pinault-Printemps-Redoute (grandes armazéns) e dos Perfumes Yves Saint Laurent. Como poderíamos esquecer Ernest Antoine Seillière que não hesitava em juntar à presidência do Movimento das Empresas de França (MEDEF) nada menos que dezasseis outras funções: presidente da Companhia Geral de Indústria e de Participações e da Marine-Wendel, vice-presidente da Cap Gemini, assessor do Banco de França, administrador da Eridiana Beghin-Say, da Gip, da Valéo, do banco Société Générale e da Companhia Lorrena de Participações Siderúrgicas, membro do conselho fiscal da Gras Savoye et Cie, da Hermès internacional, da Oranje-Nassau Groep e da Peugeot, representante permanente, por fim, na Stallergenes, na Bio-Mérieux Alliance, e, no Bureau Veritas, encarregado da classificação dos navios. E portanto, até 1998, da Erika…
Todos eles, enfim, longe de serem aqueles simples representantes da “excepção francesa” que a imprensa tanto gosta de descrever, revelam as dinâmicas actuais do capitalismo: internacionalização e proliferação das actividades no seio dos grandes grupos que contribuem para o aumento do número de companhias e, portanto, de cargos a distribuir, financeirização e dispersão cada vez maiores dos grupos de accionistas, que contribui igualmente para essa situação, interpenetração do capital público e privado por intermédio de participações cruzadas, etc. Mas revelam também o que não muda. Pela presença, como vimos, de muitos herdeiros ou por uma concentração do poder em, no fim de contas, muito poucas mãos: para passar da amostra representativa à realidade, bastaria multiplicar os nomes por quatro ou cinco, se tanto…
O que permitiria, definitivamente, fazer a todos estes ultraprivilegiados algumas perguntas indelicadas mas essenciais. Têm a certeza que, a acumular cargos dessa maneira, estão a respeitar a lei das empresas? Como fazem para assumir no dia-a-dia as diversas funções relacionadas com cada um dos vosso cargos? E quanto dinheiro é que ganham no total? Só para continuar o trabalho de transparência e para dispor de dados que se possam usar para a instauração de um plafond de rendimento. Já há um Rendimento Mínimo de Inserção (RMI). Para quando um rendimento máximo de solidariedade (RMS)?
* Sociólogo, investigador noInstitut National de la Recherche Agronomique (INRA, Instituto Nacional da Investigação Agronómica).Autor de, nomeadamente,Eloge des fonctionnaires.Pour en finir avec le grand matraquage (Calmann-Lévy, Paris, 2001).
1 François de Closets, Toujours plus, Grasset, Paris, 1982, p. 130.
2 Cf. Courteline, Messieurs les ronds-de-cuir, Garnier-Flammarion, Paris, 1996.
3 Na realidade, os resultados são dados a priori, uma vez que existe uma proporção de licenciados e de quadros mais forte no sector público que no sector privado. Mas são bem raros os órgãos de imprensa que têm o cuidado de o assinalar…
4 Estas médias foram calculadas a partir das estatísticas oficiais que figuram em Jean-Paul Juès, La grève en France, PUF, Paris, 1998, p. 117.
5 Assinalemos, todavia, duas excepções a esta regra: os números de 14 a 20 de Maio de 1998 do L’Evénement du Jeudi e de 1 a 7 de Junho de 1998 de Marianne, que aceitaram difundir, nessa altura, os dados publicados em Les Cumulards: la confiscation de l’argent, du pouvoir el de la parole, Stock, Paris, 1998.
Autor: PIERRE BITOUN
Data: Março 2002
In Le Monde Diplomatique"
2 Comentários:
Henrique, e também já sabemos que o nosso governo não passa de um imitadorzinho acrítico e bem comportado a fazer os TPCs.
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