domingo, janeiro 13, 2008

Um hino ao anti-pensamento único

Num tempo de pensamento único em que alguns querem formatar não só a acção mas o pensamento dos outros segundo um pensamento hegemónico e totalitário, sabe bem ler esta "anedota" que encerra lições para o próprio ensino.

Para que serve um barômetro?

Há algum tempo recebi um convite de um colega para servir de árbitro na revisão de uma prova. Tratava-se de avaliar uma questão de Física, que recebera nota 'zero'. O aluno contestava tal conceito, alegando que merecia nota máxima pela resposta, a não ser que houvesse uma 'conspiração do sistema' contra ele. Professor e aluno concordaram em submeter o problema a um juíz imparcial, e eu fui o escolhido.
Chegando à sala de meu colega, li a questão da prova, que dizia: 'Mostrar como pode-se determinar a altura de um edifício bem alto com o auxílio de um barômetro.' A resposta do estudante foi a seguinte:
'Leve o barômetro ao alto do edifício e amarre uma corda nele; baixe o barômetro até a calçada e em seguida levante, medindo o comprimento da corda; este comprimento será igual à altura do edifício.'
O estudante tinha razão visto que ele tinha respondido bem e completamente à questão. Por outro lado eu não lhe podia dar os seus pontos: neste caso ele iria receber o seu grau de física enquanto não me havia demonstrado os seus conhecimentos de física. Eu propús dar outra chance ao estudante dando-lhe seis minutos para responder à questão advertindo-o que para a resposta ele deveria utilizar os seus conhecimentos em física.
Passados cinco minutos ele não havia escrito nada, apenas olhava pensativamente para o forro da sala. Perguntei-lhe então se desejava desistir, pois eu tinha um compromisso logo em seguida e não tinha tempo a perder. Mais surpreso ainda fiquei quando o estudante anunciou que não havia desistido. Na realidade tinha muitas respostas e estava justamente escolhendo a melhor. Desculpei-me pela interrupção e solicitei que continuasse.
No momento seguinte ele escreveu esta resposta:
'Vá ao alto do edifício, incline-se numa ponta do telhado e solte o barômetro, medindo o tempo t de queda desde a largada até o toque com o solo. Depois, empregando a fórmula h = (1/2)g.t2 calcule a altura do edifício.'
Perguntei então ao meu colega se ele estava satisfeito com a nova resposta e se concordava com a minha disposição em conferir praticamente a nota máxima à prova. Concordou, embora sentisse nele uma expressão de descontentamento, talvez inconformismo.
Ao sair da sala lembrei-me que o estudante havia dito ter outras respostas para o problema. Embora já sem tempo, não resisti à curiosidade e perguntei-lhe quais eram essas respostas.
"Ah!, sim," - disse ele - "há muitas maneiras de se achar a altura de um edifício com a ajuda de um barômetro."
Perante a minha curiosidade e a já perplexidade de meu colega, o estudante desfilou as seguintes explicações.
"Por exemplo, num belo dia de sol pode-se medir a altura do barômetro e o comprimento de sua sombra projetada no solo bem como a do edifício. Depois, usando uma simples regra de três, determina-se a altura do edifício."
"Um outro método básico de medida, aliás bastante simples e direto, é subir as escadas do edifício fazendo marcas na parede espaçadas da altura do barômetro. Contando o número de marcas ter-se-á a altura do edifício em unidades barométricas."
"Um método mais complexo seria amarrar o barômetro na ponta de uma corda e balançá-lo como um pêndulo, o que permite a determinação da aceleração da gravidade (g). Repetindo a operação ao nível da rua e no topo do edifício, tem-se dois g's, e a altura do edifício pode, a princípio, ser calculada com base nessa diferença."
"Finalmente", concluiu, "se não for cobrada uma solução física para o problema, existem outras respostas. Por exemplo, pode-se ir até o edifício e bater à porta do síndico. Quando ele aparecer; diz-se:
'Caro Sr. síndico, trago aqui um ótimo barômetro; se o Sr. me disser a altura deste edifício, eu lhe darei o barômetro de presente.'"
A esta altura, perguntei ao estudante se ele não sabia qual era a resposta 'esperada' para o problema. Ele admitiu que sabia, mas estava tão farto com as tentativas dos professores de controlar o seu raciocínio e cobrar respostas prontas com base em informações mecanicamente arroladas, que ele resolveu contestar aquilo que considerava, principalmente, uma farsa."
"A anedota que você leu foi retirada da página do Prof. Valdemar W.Setzer.
Segundo o professor Alfredo Goldman a versão tem origem francesa e tem como aluno Niels Bohr e como árbitro Rutherford. Mas, há quem diga que esta história se deve a Richard Feynman.

Créditos
F1: http://www.feiradeciencias.com.br/sala19/texto03.asp
Referência
http://www.ime.usp.br/~vwsetzer"

domingo, janeiro 06, 2008

Dinâmicas

A questão da última "reforma" do governo, a da gestão, tem vindo a suscitar bastante interesse e movimentação na blogosfera docente. Há muitos professores que se estão a interessar por realizar um debate sobre a questão de forma independente e paralela aos tradicionais meios existentes como são os sindicatos. Em si este interesse e esta dinâmica parecem-me positivos e quebram com uma certa apatia na acção existente nos últimos tempos da parte dos professores.
Há no entanto que não ser ingénuo:
-a discussão pública lançada pelo governo até por ser obrigatória por lei não passa de simulacro de debate. O PS tem a maioria absoluta no parlamento;
-o tempo em que as sucessivas reformas são lançadas tem também como objectivo sepultar as reformas passadas, designadamente a do Estatuto dos professores (que está a fazer um ano a sua publicação) e a recente regulamentação da avaliação do desempenho;
-a estratégia de isolamento dos professores em relação aos outros parceiros sociais continua e com êxito. Esta reforma conta ainda com mais apoio político da ala política à direita do PS do que a reforma do Estatuto dos professores e vai no sentido dum pedido do presidente da República. Quebrar com este isolamento é muito difícil e não é tarefa só para o imediato.
-esta reforma é, digamos, a peça que faltava para controlar melhor o sistema. E a partir daqui as coisas não pararão...
Os colegas que neste momento se estão a envolver em iniciativas, algumas das quais extravasarão a blogosfera, daqui a algum tempo talvez compreendam a dificuldade que os sindicatos estão a sentir para lutar contra este conjunto de reformas.

quarta-feira, janeiro 02, 2008

Um outro jornalismo é possível

"«El periodismo se encuentra entre quienes tienen poder y la gente de la calle. Debe servir para controlar a los poderosos y para dar voz a la gente ordinaria. Sin embargo, en este país, el periodismo responde solamente a los intereses de las grandes compañías. Ellas son las que dictan la información que reciben los espectadores. Por eso, un programa como el nuestro, hecho con tan pocos recursos, tiene una repercusión tan grande. La gente quiere saber la verdad, quiere que su opinión sea tomada en cuenta».

En 1991, Amy se encontraba en Timor Oriental tratando de dar voz a las víctimas de la opresión del gobierno indonesio. Junto a su camarógrafo encabeza una manifestación por los derechos humanos. Un grupo de soldados indonesios la golpeó brutalmente y luego terminó con la vida de más de 200 manifestantes. Este incidente sirvió para llamar la atención pública sobre el apoyo que el gobierno de los Estados Unidos estaba brindado a las tropas indonesias."

In Rebelion.org

Em Portugal, ao contrário do exemplo acima mencionado nos EUA, não há nenhum jornal dito de referência, programa de televisão ou de rádio do qual se possa dizer que sirva para controlar os poderosos e dar voz à gente vulgar. É um dos preços que temos de pagar pela pequenez do nosso "mercado".

terça-feira, janeiro 01, 2008

Início de ano

Nos últimos dois anos o governo tem marcado a agenda fortemente com "reformas" que há muitos anos vinham sendo apregoadas pelo pensamento neoliberal. Nada melhor que um governo denominado de "socialista" para aplicar estas "reformas". A direita política nunca as tinha conseguido aplicar em pleno com o PS na oposição. Agora apoia-as incomodamente na oposição: o PS "roubou-lhe as políticas" como disse a Manuela Ferreira Leite. Por sua vez a direita social, essa, apoia esfusiantemente estas políticas: que cavalo de tróia melhor poderia haver que um PS como este?
A Educação não foi excepção: os piores cenários montados pela direita política nas últimas décadas (para quem não tem andado distraído) relativamente ao estatuto dos professores, da rede escolar, da organização e gestão das escolas, etc, encontram-se agora em ritmo pleno de execução. Como contrariar politicamente estas "reformas" aplaudidas de fora pela direita social, consentidas por dentro pela direita política incluindo o actual presidente da República e propagandeadas e amplificadas pela direita comunicacional dos média? Muito difícil mesmo.
Os professores, na sua grande maioria, ficaram primeiramente indignados pela campanha negra de difamação a toda uma mesma classe profissional e levada a cabo pelo ministério da Educação. Agora encontram-se, na sua esmagadora maioria, aturdidos, amedrontados, submetidos. Falam contra à boca pequena mas submetem-se e não conseguem muitas vezes traduzir sequer o seu protesto numa greve de um dia. Culpam muitas vezes de toda esta situação quem está mais à mão: os sindicatos que "não fazem nada".
Quem pensar que toda esta situação pode ser revertida facilmente está muito enganado: a força do lado das "reformas" é mesmo muita. Se os professores têm o sentimento de que estas reformas são negativas para o sistema educativo, contra si está a larga percentagem do poder político no governo ou na oposição à direita, a direita social do poder económico e a comunicação social subordinada a estes interesses por não passarem de vozes do dono. Todas as asneiras e foram muitas cometidas por este ministério da Educação ao longo deste tempo e que seriam suficientes para haver levado à sua demissão foram simplesmente almofadadas pelos tais poderes mencionados. A opinião pública tão cuidadosamente manipulada por estes poderes, mesmo assim, tem perdido a confiança na senhora dona Lurdes. As sondagens dão-na muito em baixo. No entanto os altos serviços prestados à nação continuam a ser recompensados.
Quem pensar, dizia eu, que tudo isto pode ser revertido facilmente está muito enganado. É que estas coisas que nos estão a acontecer são, em grande parte, uma vaga de fundo do que se passa internacionalmente. Quem quiser ter uma grelha de leitura das nossas políticas deve colocar os olhos na Inglaterra: são as políticas "socialistas" à inglesa que servem de exemplo ao nosso medíocre Sócrates. É claro que os exemplos vêm também de outros sítios: o tratado de "Lisboa" mas cozinhado previamente em Berlim e servido aos interesses da banca e dos grandes grupos económicos por um mordomo português é disso exemplo recente.
Para já aquilo que podemos fazer é: Resistir, tentar que não avancem ou que emperrem as ditas reformas; Demonstrar as suas malfeitorias para os interesses da Escola Pública Democrática e de Qualidade para Todos; Construir alternativas pois o que existe actualmente também não serve embora seja melhor do que o caminho para onde nos querem levar; Construir unidade entre todos aqueles podem encontrar-se em torno desta alternativa.
Esse é um trabalho de casa que nos cabe fazer individualmente e também colectivamente em torno de organizações que já existem e que os governos estão a tentar dizimar como são os sindicatos de professores. Com esse trabalho de casa feito podemos dar mais passos então para mudar o caminho das políticas educativas.
Esperemos por um 2008 capaz de introduzir algumas destas dinâmicas.
PS. Esta reflexão de início de ano foi inspirada numa dinâmica da blogosfera em torno da "discussão pública" do diploma sobre a gestão das escolas e que está a ser promovida, entre outros no blogue do Paulo Guinote, e que eu saúdo daqui.